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(Atualizado em 13.12.06)
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D. Gertrudes: sem recursos para preservar as obras do marido

VITÓRIA DA CONQUISTA:

“VULTOS HISTÓRICOS” DE
CAJAÍBA SE DETERIORAM
NA SERRA DO PERIPERI

Jeremias Macário

No alto da Serra do Periperi, em Vitória da Conquista, distante 500 quilômetros de Salvador, e entre as marcas dos escombros e depredação deixadas pelas agressões dos homens ao longo dos anos contra a natureza, um conjunto de esculturas de 150 a 200 peças do artista Aurino Cajaíba da Silva, o “Cajaíba”, denominadas de “Vultos Históricos”, está no mato e se deteriorando com o tempo sem que o poder público, as empresas privadas e outras instituições se sensibilizem para recuperar e salvar as obras, criando um museu como era o maior sonho do mestre falecido em 1997. Quem conheceu de perto o artista e visitava suas esculturas no alto da Serra, ao lado da torre da Telemar, às margens da BR-116 (Rio-Bahia), fica sem acreditar no que está acontecendo na terra de Glauber Rocha, Xangai e Elomar. Todo um trabalho artístico de 40 anos está se perdendo por falta de um local com estrutura adequada para proteger as peças.

Já dura quase dez anos a luta da viúva Getrudes Francelina Oliveira, de 72 anos, e de seus oito filhos (o Antônio fazia esculturas, mas desistiu da arte), para que a obra de “Cajaíba” não se acabe e seja implantado um museu aberto á visitação pública de moradores e turistas. O filho que está à frente desta empreitada, Edivaldo Cajaíba, se mostra cansado e desiludido na busca de apoio, mas disposto a sacrificar suas poucas economias para, pelo menos, restaurar a obra e montar uma pequena estrutura no alto da Serra onde mora com sua família. Lembra que por volta de 1998, logo após a morte de seu pai, procurou o prefeito municipal, hoje deputado federal Guilherme Menezes, solicitando ajuda para proteger as peças. “O prefeito recomendou que eu entrasse em contato como o Ministério da Cultura” – declarou Edivaldo, ao garantir que durante as férias do seu trabalho vai retirar todas as esculturas do mato e envernizá-las.

 “Morreu revoltado e a míngua”

Durante quase 40 anos, o velho e incansável “Cajaíba”, também músico, poeta e fotógrafo, retratou diversas personalidades históricas, nacionais e internacionais, com suas esculturas de cimento, ferro e areia, em forma de bustos e estátuas de tamanho natural. Além do seu auto-retrato, esculpiu com perfeição os bustos dos ex-presidentes brasileiros Juscelino Kubischek, Emílio Médici, Castelo Branco, Tancredo Neves e Getúlio Vargas. E mais o cantor Roberto Carlos, Maria Quitéria, Joana D’Arc, cenas do Cristo curando um doente, presidente dos EUA John Kennedy; além de escritores renomados, a evolução do homem desde o pré-histórico, a camponesa e o camponês, o vaqueiro, o caminhoneiro, um Cristo de tamanho natural de braços abertos, estátua de uma mulher nua em estilo greco-romano (braço está cortado), Castro Alves, Rui Barbosa, dentre muitos outros vultos da nossa história. Em frente ao Tiro de Guerra, “Cajaíba” ergueu um monumento em homenagem aos combatentes brasileiros da Segunda Guerra Mundial.

A maior parte das suas obras foi realizada com muito sacrifício, durante a noite e, às vezes, varava a madrugada com a luz de um fifó que sua esposa, dona Getrudes Francelina, segurava. “Eu ficava cansada vendo ele fazer as esculturas e só parávamos quando o pavio, ou o gás do fifó acabava” – conta ela, lembrando ainda que “Cajaíba” acreditava que se fizesse as esculturas de Castro Alves e Rui Barbosa, construiria seu museu de que tanto falava em vida. Não vendo seu maior sonho ser concretizado, sua esposa afirmou que o mestre morreu revoltado pela falta de apoio dos poderes públicos e da comunidade conquistense. Seu filho, Edivaldo Cajaíba, reforça as palavras da mãe, dizendo que seu pai morreu à mingua. De fato, o artista, que costumava passear todos os dias (vestia sempre de branco, às sextas-feiras) pelas principais ruas de Conquista com a sua tradicional boina, expressava sua dor com os mais amigos, por ver sua obra sendo perdida por falta de reconhecimento. Num certo dia do ano 1997, Cajaíba se sentiu mal em frente da Farmácia 24 Horas, vindo logo após a falecer aos 80 anos. Morreu pobre, recebendo um pequeno salário da Prefeitura Municipal.

Mas, “Cajaíba” já teve seus momentos de glória na Bahia, no Brasil e no exterior, através de sua arte. Viveu bons momentos, inclusive quando foi convidado a dar entrevistas no programa da apresentadora Hebe Camargo. Como disse sua esposa, chegou a ser convidado para trabalhar e expor suas esculturas em São Paulo e Brasília. No exterior, chegou a ser classificado pela crítica francesa como um fenômeno mundial. Preferiu ficar em Conquista e, a partir dos anos 60, se refugiou no topo da Serra do Periperi, nas proximidades do Cruzeiro onde instalou seu atelier a céu aberto. Do alto, tinha uma vista privilegiada de Conquista e era muito visitado por turistas, artistas e intelectuais. Uma vez, Cajaíba pediu para fazer um Cristo Vivo na Serra onde hoje tem a escultura de Mário Cravo, mas os poderes públicos não atenderam seu desejo. Hoje, suas obras (muitas dentro do mato, mutiladas e se destruindo com o tempo) estão espalhadas nos quintais das casas de sua família onde também está o seu túmulo com seu auto-retrato ao lado. No mesmo local, a sua casa de cimento onde passou o resto de sua vida, guarda seus objetos pessoais, como dois relógios de despertar, máquina de costura, um painel de um violão na parede, plaina, o fifó que lhe ajudou a fazer suas esculturas, sua cama, uma máquina fotográfica antiga, entre outros utensílios.

“Cajaíba” nasceu em 19 de novembro de 1917 no município de Itaquara, distante pouco mais de 300 quilômetros de Salvador e próximo a Jaguaquara. Quando menino, passava o tempo fazendo pequenas esculturas e tinha vocação para a arte, mas seus pais não gostavam do seu trabalho e tentaram dissuadi-lo do ofício. Mudou-se para Vitória da Conquista em 1950 depois de passar por municípios do sul da Bahia.

Com uma população estimada em 300 mil habitantes, Vitória da Conquista possui hoje três faculdades privadas e uma universidade estadual (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia-UESB), boa estrutura comercial, de saúde e de educação. No entanto, poucos conhecem a obra do escultor que está sendo destruída pelo tempo no alto da Serra do Periperi, nem tampouco aparecem patrocinadores dispostos a recuperar o valioso acervo e montar um museu para suas peças. Dona Gertrudes Francelina cita que, há pouco tempo, um pessoal da UESB esteve visitando a obra e prometeu ajudar a família, “mas até agora tudo não passou de promessas”. O maior desejo dos filhos e da viúva é restaurar a obra do mestre e montar uma estrutura coberta no próprio local para abrigar as esculturas. Dona Getrudes informou que há seis meses a família esteve procurando a Prefeitura Municipal na tentativa de realizar o projeto do museu, mas que até o momento não houve uma resposta.


A viúva de "Cajaíba" espera ajuda para recuperar o acervo