Em entrevista ao O Mandacaru, após a entrega de certificados do PROERD, o instrutor e subtenente Washington de Souza Magalhães fez revelações surpreendentes sobre situações detectadas durante as aulas do curso de resistência às drogas. Uma delas, por exemplo, é que muitas crianças sentem-se abandonadas dentro no próprio seio da família, como a que postou bilhete na "caixinha de sugestões", dizendo: "Eu gostaria que o senhor fosse meu pai". Veja, a seguir, na íntegra, a entrevista do policial ao jornalista Raimundo Marinho:
Qual a principal motivação do senhor para realizar esse curso?
A gente ver tantas desavenças, tantos problemas que envolvem as drogas, e que há necessidade, em minha opinião, de que a gente possa fazer alguma coisa. Eu não diria nem combater, mas sim pelo menos estacionar. Porque, da forma como as coisas estão indo, é bem provável que a gente perca uma geração inteira para as drogas.
O que o senhor observa nessas crianças, no primeiro contato com elas, nas escolas?
Na sua grande maioria, os próprios alunos, eles botam [na caixinha] bilhete, assim, para mim: "eu gostaria que o senhor fosse meu pai. Hoje eu estou sabendo de coisas que meu pai nunca me falou". Quando eu falo com eles, eu digo que é melhor aprender aqui [no curso] do que com a pessoa errada. É dessa forma que eles se entregam. Eu vejo uma necessidade de carinho, de aproximação, de que alguém passe por esses garotos, dê amor, dê carinho.
Na solenidade, eles avançaram em massa para abraçá-lo. Como o senhor consegue essa relação tão próxima com eles, em tão pouco tempo?
Eu me igualo a eles. É como uma professora falou, sou um garoto na sala de aula. Eu me transformo. Acho que a gente tem de ser igual a eles para entendê-los. Fui criança também, graças a Deus, tive boa infância, bons pais, que me ensinaram e estou passando isso para meus filhos. Essa receptividade é incrível, eu não aguento. Lá, me chamam de chorão. Também choro na sala de aula. Eu participo com eles.
Em que momento do curso eles começam essa aproximação com o senhor?
Desde a primeira aula. Quando os professores informam a eles que haverá aula do PROERD eles já começam a esperar com ansiedade. Por exemplo, às terças, quartas e quintas-feiras, eles já sabem, largam tudo que estiverem fazendo, jogam tudo pro ar. É aula do PROERD!
Qual a idade deles?
Variam de 9 a 12 anos.
Que comparação o senhor faz, por exemplo, da primeira com a última aula do curso?
Bem mais interesse. Alguns chegam a dizer que é muito pouco tempo. Gostariam que eu continuasse o ano inteiro, dando aula. Mas, lamentavelmente, só são dez aulas, nove em sala de aula e uma que é a entrega dos certificados.
O senhor poderia avaliar o grau de risco em que essas crianças estavam expostas antes e como deixam o curso?
Acredito que o máximo. Não digo que seja a 100%, atingir a perfeição não seria possível, seria demagogia da minha parte. Mas acredito que mais de 50% absorveram bem [o que foi transmitido].
O que o senhor acha que seduz os jovens para o mundo das drogas?
Eu ainda bato na família, família desestruturada. Eu tenho ouvido de alunos relatos de coisas que se passam dentro de casa. Eles botam bilhetinhos na caixinha. E passamos a observar que está faltando a base. Tem pais que estão abandonando seus filhos. Ou, às vezes, querem castigar em demasia. Não é por ai. É preciso haver conversa, compreensão, diálogo, ensinamentos. O PROERD mostra para eles a realidade das coisas, os males que causam. É isso que a gente mostra, o que está ai. Eu bato sempre, em sala de aula, que a vida da gente é um livre arbítrio, mas que contém regras, que eles vão fazer o que quiserem, mas que lembrem que as drogas destroem e vem destruindo, não é brincadeira. É um suicídio lento.
O que nós podemos esperar desses brasileirinhos de Livramento?
Eu acho, a exemplo do capitão Elcimar Leão que, recentemente, falando em uma entrevista, ele disse que 70% dos jovens que passaram pelo PROERD hoje são adultos e vivem felizes longe das drogas. É um índice mais do que bom. Tomara que a gente alcance esse índice na cidade de Livramento, com esses brasileirinhos.
O senhor já identificou ou alguma delas já relatou algum tipo de comportamento de violação à criança?
Sim. Eu recebi no ano passado, na caixinha do PROERD, relatos como: "se vermos alguém, abusando, dentro de casa, o que nós podemos fazer?". E, posteriormente, eu descobri que essa criança tinha sido molestada pelo próprio pai. Este ano, alguém fez uma pergunta, dentro da caixinha, dizendo "o senhor já teve relação com a sua filha?". Eu parei um pouquinho para analisar, porque talvez não tenha sido simplesmente uma pergunta e sim, quem sabe, isso não esteja acontecendo dentro de casa? O que a gente pode analisar é que pode ter muita coisa acontecendo e que não é divulgado.
(Mensagem lida na solenidade de entrega dos certificados do PROERD)
A proposta pedagógica oferecida pelo PROERD, representada também por você, contribuiu para a construção de uma sociedade livre de vícios e, consequentemente, de todos os malefícios que esses maus hábitos podem causar de forma individual e coletiva.
Educar nossos jovens a dizerem não às drogas é um trabalho que valoriza a vida. E você fez desse ofício um ato fraterno de cidadania, um exercício democrático, onde oportuniza esses adolescentes a opção de se manterem firmes contra as constantes ameaças e apelos de submissão e alienação que essas substâncias tóxicas causam ao organismo humano, afetando a moral, a ética e a segurança da sociedade, na maioria das vezes de forma irreversível.
A educação é o pilar de qualquer convivência pacífica e civilizada e você, fazendo parte de uma instituição séria e necessária à ordem pública, que é a Polícia Militar da Bahia, buscou, na sua própria experiência, a transposição de limites e barreiras, demonstrando ser um exemplo de superação.
Todas às vezes, ao chegar à sala de aula, você se transformava em um mestre que dá o melhor de sim, buscando sempre contribuir para a edificação do ser enquanto indivíduo que integra o conjunto social. Mas, todavia, você se entregava ainda aos vícios de menino sapeca, com uma saudosa nostalgia, e, assim, sempre deixava escapar um relato de travessura vivida na tenra infância. Nesse misto de militarismo e meninice, você cativou a todos nós e hoje estamos aqui para dizer o nosso muito obrigado ao garoto subtenente, Washington.
Não podíamos deixar de agradecer também ao major Macedo e à PM de Livramento pelo brilhante trabalho e apoio ao PROERD, contribuindo para que esse programa seja um firme alicerce para o futuro dos nossos jovens. Muito obrigado e conte sempre conosco nessa batalha contra as drogas.
Professores e alunos da 4ª série da Escola Municipal Gil Ferreira Pessoa (Estocada)