Sorridente e comunicativa, a cubana Maurisleydis Pérez Pérez e a colega Marta Sucel Ledea deixaram a bela ilha caribenha – Cuba –, na América Central, e vieram para os sertões da Bahia, em Livramento de Nossa Senhora, para exercer o ofício da medicina, fazendo aquilo que o governo chama de “humanização do atendimento médico”. Vão trabalhar aqui, também, seus conterrâneos Donny Pérez Ramirez e Adamelis Milanés Rivera, pelo mesmo programa Mais Médicos.
A Draª Maurisleydis, solteira, 31 anos, formou-se em 2007 pela Faculdade de Medicina da província de Holguim, região oriental da Ilha, a República de Cuba, hoje presidida por Raul Castro, irmão do comandante Fidel Castro, que derrubou o governo ditatorial de Fulgêncio Batista, na Revolução Cubana (1953/1959). Em entrevista ao O Mandacaru, a médica fala um pouco de seu país e da sua missão no Brasil, que começou a conhecer, segundo disse, assistindo às novelas brasileiras. A seguir:
(As expressões nos colchetes são nossas, para ajudar a compreender a fala da médica)
Conhecia o Brasil antes?
Conhecia, sim. Porque, desde criança, sonhava em conhecer o Brasil. Gostava sempre das novelas brasileiras, que assistia em Cuba. Mostravam as praias, o pessoal, a música. Gosto muito de dançar, então, olhava tudo. Gostava muito do Brasil. Estudei algumas coisas de Brasil, porém jamais imaginei viajar até aqui e conhecer. Ou seja, isso tudo é um sonho da minha vida, desde criança.
E o Brasil é como você esperava?
Bem, a televisão mostra mais as coisas boas. Geralmente é assim, [mostra] muito poucas coisas ruins. Mas, de forma geral, é como eu esperava.
Quando você soube que vinha para Livramento e o que achou daqui?
A primeira coisa que fiz foi procurar na internet, porque fiquei muito ansiosa. Queria conhecer onde iria morar e trabalhar. Então, procurei na internet, olhei a cachoeira, o povo... Só que a gente sempre fica nervosa, sempre se pergunta se vai dar certo, se vai gostar, se vai ser bem aceita pela população. Mas gostei. Ainda mais quando cheguei aqui.
Quanto tempo antes você soube que vinha para cá?
Quatro dias, antes de vir.
Já estava no Brasil?
Estava, cheguei por Manaus. De lá, fomos para Guarapari, no Espírito Santo. Ficamos lá 21 dias fazendo curso de português. Depois, viajamos para Salvador. Lá, falaram que estava previsto para a gente viajar para Livramento de Nossa Senhora.
Existem semelhanças entre os problemas de saúde daqui com os de Cuba?
Existem, só que pouco. Por exemplo, aqui temos hipertensão arterial, diabetes, parasitismo intestinal, que são frequentes em Cuba. Mas outras doenças, como malária, chagas, leishmaniose, hanseníase, em Cuba estão erradicadas.
Quais ocorrências mais comuns você tem encontrado aqui?
É mais isso: hipertensão arterial, parasitismo...
Quais as regiões que você atende?
Atendo, principalmente, no PSF de Arrecife, que tem outros postos de saúde, como Amoreira, Lagoa Daniel e Sítio Novo.
Você enfrenta alguma dificuldade ou tem boas condições de trabalho?
Realmente, plenas condições, não. Porque, estou trabalhando em um posto que está reformado, ainda não tem energia e não está mobiliado como deve ser. Não posso dar consulta no meu consultório, tenho de usar o salão de reunião, por falta de energia, no consultório. É um posto reformado, que ainda não está mobiliado e não tem todas as condições necessárias para um bom atendimento.
Está satisfeita com o trabalho que consegue realizar?
Estou satisfeita, em parte, com o trabalho de assistir a pessoa doente e tentar ajudar. Estou satisfeita com a minha parte, mas com a outra parte, das autoridades, das pessoas que têm que fazer coisas para melhorar as condições de saúde da região, não estou satisfeita. É um conjunto, todo mundo tem que trabalhar junto, para dar certo.
Falta quanto por cento para ficar bom?
Eu diria que temos 70 por cento bom.
Que mudaria ou acrescentaria no sistema de saúde de Livramento?
A questão das condições, principalmente de medicamentos, a dificuldade de transporte para se encaminhar os pacientes à cidade, para os pacientes viajar até aqui para procurar o remédio.
O que acha das críticas ao programa Mais Médicos?
Entendo assim, tudo tem que ver com a comunicação e o nível de expectativa de cada pessoa. Se os meios de comunicação não oferecem à população informação certa, a verdade, muitas pessoas vão raciocinar [errado]. Por exemplo, falaram muito que os médicos cubanos vieram ocupar vagas dos médicos brasileiros, o que não é verdade. A gente está aqui para ajudar, para trabalhar onde não tem médico brasileiro, não é para ocupar as vagas [deles]. A gente só está trabalhando onde precisa de médico.
Apenas sua presença supre a necessidade de médico na região?
Não é suficiente, porque é uma área muito grande e longe demais. Então, precisa mais médicos lá. Mas estou tentando fazer tudo que posso, dentro das minhas possibilidades. É uma região que nunca teve médico, [por isso] é importante minha presença.
Qual a média de atendimento por dia?
É de 25 a 30 pacientes, diariamente.
Sente dificuldade em se comunicar com os pacientes devido ao idioma?
Estou conseguindo, eles falam e dar para eu entender. Eu falo, explico direitinho e dar para eles entenderem, também. Isso não é uma barreira para mim nem para eles.
O que Cuba ganha com esse intercâmbio?
Todos ganhamos, Cuba, Brasil e os médicos cubanos. Cuba é um país pobre, não tem maiores riquezas para exportar, para comercializar. E tem o embargo econômico pelos Estados Unidos, ou seja, não pode fazer intercâmbio comercial com países que dependem dos EUA. Cuba, agora, está recebendo dinheiro pela prestação de serviços médicos cubanos. Então, primeiramente, a gente está aqui porque é uma forma de ajudar a nossa família, ao receber melhor salário. Segundo, porque as pessoas mais carentes do Brasil precisam de médicos e a gente está aqui para isso. A outra parte é que, com nosso trabalho, ajudamos o nosso povo. É uma forma que Cuba tem de obter dinheiro para comprar medicamentos, materiais escolares, comida e tudo que o povo precisa. Ou seja, beneficia todo mundo.
Com uma parte do que recebe do Brasil, o governo cubano paga os médicos. Seria isso?
É isso. Em Cuba, tudo é gratuito. Não temos impostos. Só se paga água e energia. Não se paga alimentação, escola, saúde, nem atendimento médico. [O Estado] forma todos os profissionais gratuitamente. Então, de alguma forma, o profissional tem que retribuir o que nosso governo faz para que as pessoas se formem médico. Isso é uma forma de retribuir ao nosso governo.
Isso só ocorre com os médicos?
Há também com outros profissionais, como engenheiros, mas a grande maioria é de médicos.
Há mudanças em Cuba com o presidente Raul Castro?
Está havendo mudanças. Raul tem as mesmas condições que o irmão dele, nosso comandante Fidel, só que está fazendo mudanças, como viagens de cubanos a outros países, como fomentar negócios de microempresas dentro do país, a compra e venda de carros. Pouco a pouco ele está abrindo portas.
Cuba caminha para a democracia ou já é um país democrático?
Eu considero que Cuba é um país democrático. Eu tenho certeza que todo regime político, todo sistema político tem coisas boas e, de certa forma, tem coisas não tão boas. Mas eu prefiro o nosso sistema, porque para mim é muito importante a saúde, a educação e a segurança, que têm em nosso país. Então, são coisas fundamentais para a vida das pessoas.