21.04.2011 – Raridade histórica

D. Judite ainda conserva a
tradição da renda de bilros

Por Raimundo Marinho, jornalista

Algumas raridades antigas ainda são encontradas em Livramento de Nossa Senhora, na Bahia. Um exemplo é a renda de bilros, utilizada como adereços no vestuário, em tolhas e outras peças de pano usadas no ambiente doméstico.

É confeccionada sobre um rebolo - almofada dura, de pano grosso, enchida com palha ou algodão. Sobre ela coloca-se o pique - cartão perfurado com o desenho da renda desejada, que vai sendo tramada, com uso dos bilros e a paciência do artesão.

Essa tradição pré-industrial é mantida em Livramento por D. Judite Rosa de Castro, 94 anos, filha de Francisca Maria de Jesus e Emiliano Militão de Castro. Aprendeu com a própria mãe e confeccionou sua primeira peça, chamada "olho de pomba", quando tinha 10 anos de idade.
Apesar da idade, ela maneja os bilros com invejável habilidade e ainda aceita encomendas. No começo, fazia para uso próprio, nos intervalos dos afazeres domésticos e do trabalho na roça. Não sabe quanto já produziu, mas deve ser algo em torno 10 mil metros.

Conta com a dedicação da filha Nilza, a "Tia Pia", que compra os aviamentos há mais de 20 anos. Segundo Nilza, nesse período, o preço do tubo de linha pulou de 70 centavos e para sete reais.

A renda pode ser reta ou ter forma de bico de um lado e é usada no acabamento de tolhas de mesa, guardanapos, centros de mesa, anáguas, combinações e outras, dando refinamento às peças. Sua confecção requer atenção, acuidade visual e coordenação motora. D. Judite só trabalha pela manhã e faz, em média, meio metro de renda por dia.

O trabalho é lento, não rende e requer extrema paciência da rendeira. A almofada serve para acomodar o molde - papel duro com os furos formando o desenho da renda. Os alfinetes são espetados nos furos e vão sendo deslocados à medida que o trabalho progride.

O deslocamento dos alfinetes não é aleatório, segue a técnica de manejo dos fios, com uso dos bilros, em cuja extremidade a linha é armazenada e vai sendo liberada, no ritmo determinado pelo artesão.
O bilro é formado por pequena haste de madeira ou de outro material, onde a linha é armazenada, tendo uma base de fixação esférica ou em forma de pêra, que fica para baixo. Conforme a região, essa base pode ser o fruto seco da nogueira brasileira, que possui forma capsular e é muito resistente.
A quantidade de bilros pode variar e depende da complexidade do desenho da renda. No momento da entrevista, por exemplo, D. Judite usava 24 bilros, cujo manejo é orientado pelos alfinetes.