Artigo - 29.03.2011

Decisão do STF desconsidera clamor popular e invalida
Lei da Ficha Limpa

Por Cláudio Marques*

Na semana passada, milhões de brasileiros foram surpreendidos com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) – composto por 11 ministros – de invalidar, por 6 votos a 5, a Lei da Ficha Limpa nas eleições de 2010. O impasse que já vinha acontecendo desde quando foi aprovada no ano passado chegou ao "fim" por conta do voto de minerva do novo ministro Luiz Fux, recém empossado pela presidente Dilma Rousseff (PT).

Fux, com essa decisão, desconsiderou o clamor popular e a própria decisão do TSE, que já havia validado a lei em 2010. "O ministro Fux traiu o povo brasileiro. Disse que ia ao Supremo, estaria honrado de ocupar posto de ministro para defender o interesse do povo brasileiro. E defendeu não na perspectiva do povo brasileiro, defendeu a partir de parcialização que historicamente tem se repetido no Judiciário brasileiro, posições que tem defendido as elites brasileiras", declarou a senadora Marinor Brito (PSOL-PA).

O magistrado, para tanto, justificou seu voto, utilizando-se do argumento do relator do processo, ministro Gilmar Mendes, endossando-o: "Nem o melhor dos direitos pode ser aplicado contra a Constituição (...). [A lei] viola a cláusula do artigo 16, que é uma cláusula pétrea, é uma garantia do cidadão eleitor e do cidadão candidato".

A maioria dos ministros do Supremo entendeu que a lei interferiu no processo eleitoral de 2010 e não poderia ser aplicada em uma eleição marcada para o mesmo ano de sua publicação. De acordo com o artigo 16 da Constituição Federal, uma lei que modifica o processo eleitoral só pode valer no ano seguinte de sua entrada em vigor.

Então, segundo esse entendimento do STF, a lei passa a valer somente a partir das eleições de 2012. Com isso, os políticos que tiveram a candidatura barrada pela Ficha Limpa, como, por exemplo, Jader Barbalho (PMDB-PA) – acusado de desvios no Banpará e denúncias de envolvimento no desvio de dinheiro da Sudam – e que se elegeram em 2010 poderão tomar posse, alterando assim a composição do Congresso e de assembléias. No total, HYPERLINK "http://g1.globo.com/politica/noticia/2011/03/veja-quem-pode-ganhar-vaga-no-congresso-apos-decisao-do-stf.html"4 senadores e 2 deputados devem devolver o mandato após a decisão do Supremo.

No entanto, como os ministros estão agora autorizados a decidir de forma individual outros recursos semelhantes com base na posição fixada pelo plenário, a troca de cadeiras, nesse sentido, não será imediata.

Liderado pelo HYPERLINK "http://pt.wikipedia.org/wiki/Movimento_de_Combate_%C3%A0_ Corrup%C3%A7%C3%A3o_Eleitoral"Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), com o apoio da CNBB, o Ficha Limpa é o quarto projeto popular brasileiro, encerrando um jejum de quase 5 anos sem que uma matéria de iniciativa popular fosse convertida em lei pelo Congresso Nacional. Foi criado "com o objetivo de melhorar o perfil dos candidatos e candidatas a cargos eletivos do país", tornando "mais rígidos os critérios de quem não pode se candidatar - critérios de inelegibilidades".
O projeto circulou por todo o País, e foram coletadas mais de 1,3 milhões de assinaturas em seu favor. Foi aprovado na HYPERLINK "http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%A2mara_dos_ Deputados"Câmara dos Deputados no dia 5 de maio de 2010 e também aprovado no HYPERLINK "http://pt.wikipedia.org/wiki/Senado_Federal" \o "Senado Federal"Senado Federal no dia 19 de maio de 2010 por votação unânime. Transformou-se na Lei Complementar nº 135, de 4 de junho de 2010, logo após ser sancionado pelo então presidente Lula.

Nesse sentido, a decisão contra a validação do Ficha Limpa nas eleições de 2010 pelos "guardiões" da Constituição brasileira (os quais têm uma proposta em tramitação no Congresso na qual eleva os seus salários para R$ 30,6 mil) acabou por gerar indignação em grande parte da população, causando repercussão no Brasil inteiro.

Para especialistas, o STF passou ao País uma mensagem de "falso legalismo", abrindo um flanco para que a lei sequer seja cumprida no próximo pleito, em 2012.
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ricardo Lewandowski, ressaltou que só se poderia justificar o adiamento da validade da lei se isso representasse "rompimento da igualdade entre os partidos" na disputa eleitoral.

"Mantenho-me, pois, fiel à orientação jurisprudencial existente e ainda não revista, reafirmando que as normas que regulamentam a inelegibilidade devem ter aplicação imediata. Nesse caso, as normas se destinam a todas as candidaturas sem fazer distinção entre os candidatos."
Para a senadora Marinor Brito (PSOL-PA), a decisão do Supremo de considerar a lei [Ficha Limpa] inconstitucional "mostra um descompasso com a sociedade, porque 70% dos candidatos barrados por terem a ficha suja foram também reprovados nas urnas". Essa lei "é para barrar corruptos, para barrar desonestos, para barrar os que historicamente têm deixado o povo no abandono". [Essa decisão contrária do STF] "é um retrocesso histórico e político para o meu estado e o nosso país".

"A indignação que sinto não é individual, é coletiva. Não deixarei de travar todas as batalhas contra a possibilidade de que um dos mais notáveis fichas-suja retorne para esta casa [referindo-se a Jader Barbalho que com a decisão do STF poderá substituí-la no Senado]". E acrescenta: "Custe o que custar, querendo ou não a Justiça, as nossas vozes não se calarão".
Marinor recebeu o apoio de senadores como Cristovam Buarque (PDT-DF) e Randolfe Rodrigues (PSOL-AP). "Minha tristeza com a sua saída, mas a minha absoluta convicção de que sai daqui, deste tapete azul, mas continuamos juntos no tapete vermelho, na luta por um Brasil justo", declarou Cristovam.

O líder do PSOL (RJ) na Câmara, Chico Alencar, também comentou sobre a anulação da Lei Ficha Limpa nas eleições de 2010. "É um baita retrocesso no combate à podridão na política. Mas vamos lutar ainda. (...) Decisão judicial tem valor jurídico, mas vamos questionar. Nós vamos nos insurgir, não com coquetéis molotov, mas dentro dos meios democráticos."

Em nota, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) destacou ser "equívoco estender às inelegibilidades as regras que no âmbito do Direito Penal impedem a aplicação retroativa das leis". "A verificação da presença de uma condição de inelegibilidade nada tem a ver com retroatividade, que, nesta matéria, só ocorreria se houvessem sido alteradas condições que vigoraram em eleições anteriores."

Ainda de acordo com a nota, "a aplicação da Lei da Ficha Limpa às Eleições 2010, por outro lado, não viola o art. 16 da Constituição Federal, cujo teor se estende apenas à quebra da igualdade de participação nos pleitos eleitorais, servindo na verdade para evitar que as minorias parlamentares sejam surpreendidas com a reforma casuística da legislação eleitoral (...)".

"No caso [do Ficha Limpa], isso não ocorreu. Trata-se de lei aprovada pela unanimidade do Congresso em atendimento a reclamo da sociedade brasileira, mobilizada contra a presença nos mandatos de pessoas objetivamente destituídas de qualificação para o seu exercício. A Lei da Ficha Limpa é, pois, plenamente aplicável às Eleições de 2010. A lei foi sancionada, por outro lado, antes mesmo da realização das convenções, em 4 de junho. Os partidos estavam conscientes das regras que a sociedade, por meio do Congresso Nacional, lhes impusera".

E conclui, salientando haver "duas interpretações constitucionais plausíveis sobre um mesmo aspecto legal, não é de se esperar que o Supremo opte por aquele contrário à manifestação direta do soberano (o conjunto dos cidadãos) promovida sob a forma de iniciativa popular de projeto de lei".

O fato é que essa discussão ainda vai dar "muito pano pra manga". As leis advindas de iniciativa popular sempre afetam interesses das elites oligárquicas brasileiras. Portanto, nunca são bem vistas por eles. O Ficha Limpa já passou, ao chegar ao Congresso, por diversas alterações em seu texto na tentativa de adequá-lo aos seus interesses e escaparem da inelegibilidade.

Conforme a decisão do STF, a lei deve valer somente a partir das eleições de 2012. Porém, se naquele ano ela for declarada inconstitucional, será invalidada. O próprio presidente do TSE fez questão de reforçar a indefinição sobre o seu futuro. Segundo ele, o Supremo apenas disse que a norma não vale para 2010 e não analisou se ela é ou não inconstitucional, por isso a ficha limpa "não está imune a questionamentos". "Não tem nada seguro. Não é certo que a lei valerá para 2012", disse Lewandowski.

Consequentemente, a descrença na Justiça por parte da população brasileira deve aumentar ainda mais, se é que isso é possível, já que um levantamento feito nos estados pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) revelou que, em uma escala de zero a dez, o sistema Judiciário brasileiro merece nota 6,5. Essa nota talvez não seja menor, por conta de magistrados, como Joaquim Barbosa (ministro do STF que votou a favor da validação do Ficha Limpa), que defendem, de fato, os interesses do cidadão. A pergunta que deixo no ar é: até quando a Justiça brasileira vai ignorar a voz do povo e continuar a beneficiar os já então poderosos? Fácil de responder, né?! Mas nunca é bom perder as esperanças.

(*) Cláudio Marques é estudante de Jornalismo da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB)