Artigo – 07.03.2012

Gente é que encantais!

Raimundo Marinho

Jornalista

É unânime o dizer que a educação no Brasil chegou ao fundo do poço, embora não seja exclusividade brasileira, tornando-se mais crítico nos últimos 30 anos. Começou, de fato, no período ditatorial, invadindo a fase democrática, a partir de 1986. E toda sorte de absurdos acontece no fundo desse poço.

Os absurdos incluem bizarrices como exibição, por alunos, da genitália em sala de aula, palavrões dirigidos aos mestres, violência física e até casos de morte. A porteira foi aberta quando a corrupção dominou o Estado, passando-se a fomentar a ignorância para facilitar a locupletação.

O marco do sucateamento é a degradação física do sistema escolar, com aviltamento do salário dos educadores, que sentiram na pele, mas não reagiram. Chegaram a propalar o negro humor do slogan “o Estado finge que paga, a gente finge que ensina e o aluno finge que aprende!”.

Faltou ser acrescentado e “os pais fingem que não vêem”. Vê-se, então, que se trata de um poço muito bem cavado. Tudo conspirou a favor do Estado corrupto, cujos representantes estimularam o surgimento, em grande escala, de escolas particulares, para os filhos estudarem, à custa de todos nós.

Foi tão bom para eles que fazem tudo para assim permanecer. Os remanescentes da escravidão e egressos de escolas públicas foram engabelados com cotas de ingresso na universidade, bem mais barato do que oferecer estruturas dignas e capazes de resgatar essas populações.

Autoria e indícios de materialidade dos crimes perderam-se no tempo. Os culpados se refugiam no nome fantasia “Estado”. Os pais, no fogo cruzado e sem visão suficiente para enxergar o Estado, culpam os professores. Os professores, entre a cruz e o emprego, culpam os pais.

E os alunos querem que tudo seja varrido de suas vidas: pais, professores e Estado. Muitas vezes, o professor do aluno que exibe a genitália em aula é o mesmo que vota pela aprovação graciosa, dando o conselho, fora da classe: “Reprovar pra que, só vai dar mais trabalho pra nós”.

Assemelha-se a uma cavalgada de búfalos ou de cavalos, às tontas, em que, salvo exceções justas, os compromissos de gestão educacional e ou de ensinar há muito foram quebrados. De soldados da profissão, professores desdobram-se para não se assemelharem a encantadores de cavalos.

Lembro-me de como fui feliz nos meus tempos de Colégio João Vilas Boas, em Livramento, como aluno de professores como D. Maria, D. Rosália, D. Idália, D. Darcy, Pingo, D. Corina, D. Angelita, D. Rita, D. Lili, D. Ruth, D. Stela, D. Terezinha e tantos de quem agora não me lembro, dignos de homenagens.

Cavalgar, suave, encantadora e amorosamente, é possível! Principalmente, para quem ensina, educa e suporta nossos filhos, muitos deles verdadeiras cavalgaduras. Os mestres tentam aparar heranças nocivas das famílias e a retribuição costuma ser coices e patadas, como se cavalos de fato fossem.

Omissos na educação doméstica, alguns pais, despreparados, não escondem que não controlam os filhos, que o tempo na escola é um alívio e ficam irados quando não há aula. Nas justas paralisações da categoria, chegam a dizer: “professor não quer mais dar aula, só pensam em dinheiro”.

Ainda há tempo para reação, para se evitar que, um dia, mudem a lista de chamada para: “Cavalo José”, que responde “preeeseeente”“Cavala Ana Maria”, e a resposta:“Num tá veno eu aqui, não, cara, qual锓Jumento Luiz”, que retruca: “Uéééé, uéééé, uéééé, tôôôô aqui .... Não enche”.

Está na hora de decidir se devemos ter colégios ou estrebarias, se nossos filhos são mesmos nossos filhos ou seres alienígenas. Se não descobrirmos isso, urgente, tudo ficará ainda pior. A não ser que queiram entregá-los ao mundo das drogas. Então, comecem a exigir mais cadeias e cemitérios na cidade.

Chega! Vamos tirar nossos meninos e meninas das estrebarias sociais, da vida sem objetivos, do viver sem senso crítico, da falta de amor e de carinho, e transformá-los em gente! Não sois cavalos, humanos é que sois! Missionários da educação, não sois encantadores de cavalos, gente é que encantais!