Sessão Especial TRE – 08.04.2014

Discurso do presidente
Dr. Lourival Trindade

 

            Sejam as minhas primeiras palavras, nesta seção solene, realizada, neste templo da democracia e templo da justiça, este último morada da deusa Themis, que veio da hélade antiga, segundo a mitologia grega,  cotidianas, “como o pão nosso de cada dia”, natural e simples, como água bebida, na concha da mão, parafraseando-se o poeta Mário Quintana.

            Agradeço aos eminentes colegas desembargadores e aos juízes, integrantes desta Corte, os quais, após duas eleições, uma realizada no nosso Tribunal de Justiça e a outra, aqui, sufragaram o meu nome para dirigir, no próximo biênio, nosso Tribunal Regional Eleitoral.

Estejam convictos, portanto, de que a distinção de meu nome será guardada, para sempre, na memória do coração e as palavras de agradecimento, neste instante, deverão ficar perpetuadas, diria o inolvidável desembargador Gérson Pereira dos Santos, no dorso fofo da areia -, que as ondas do mar teimam, ingenuamente, em levar para os longes do horizonte, mas que o vento conduzirá para um lugar qualquer, recôndito e seguro. Estas palavras de agradecimento emanam, sinceramente, da alma, porque creio, como o poeta, Mário Quintana, que "... a palavra da boca é inútil se o sopro não lhe vem do coração".

            E, sob forte emoção, valho-me, também, do escritor português, José Saramago:

"... já se sabe que as palavras proferidas pelo coração não têm língua que as articule, retém-nas um nó na garganta e só nos olhos é que se podem ler".

            E as emoções que partilho, nesta hora, não serão jamais delidas pelo tempo, que, às vezes, apaga as melhores lembranças. É preciso sabermos captar a beleza do instante, pois, como já disse alguém, quem colhe o momento advinha a fração do tempo em que o botão passa a ser flor: "quem descobre o momento se eterniza, quem passa por ele se finda". Perdoem todo o lirismo descomedido, “o lirismo vagabundo”, “o lirismo funcionário público” no dizer do poeta Manoel Bandeira. Perdoem-me, também, por inserir, nesta fala, aqui, ali e alhures, alguma poesia. Estarei quebrando – é certo – a tradição do discurso protocolar e solene. Contudo, para mim, a poesia tem, também, “um valor emancipatório, já que é através do amor (ato poético essencial em que se une o ético ao estético) que o homem se faz sensível às transformações da vida”, diria Luis Alberto Warat.

            Após ser, adredemente, perdoado, por todos os ouvintes, neste auditório, direi que, na vida de cada um de nós, "há um instante único que se desprende do tempo e se converte em sempre". Daí, eu sei que as emoções deste instante não serão jamais esquecidas, porque, como diria, de novo, o poeta Mário Quintana, "as coisas que não conseguem ser olvidadas continuam acontecendo. Sentimo-las como da primeira vez, sentimo-las fora do tempo, neste mundo do sempre, onde as datas não datam".

            Pois bem, senhoras e senhores, à frente dos destinos desta Corte Eleitoral, no próximo biênio, não me sinto envaidecido, mas comprometido com a confiança demonstrada, através dos generosos corações dos colegas desembargadores e dos juízes deste Tribunal. No exercício do cargo, sei das dificuldades que me aguardam, no pleito eleitoral deste ano. Mas não temo o desafio. Como disse, noutra oportunidade e citando o poeta português Fernando Pessoa, “não tenho medo do desafio, aprendi a desafiar o próprio desafio”, principalmente porque tenho forte amor pela justiça e pelo compromisso social. A virtude republicana corresponde ao meu ideal político, lembrando-me de Albert Einstein, um dos gênios da humanidade, em seu livro “Como vejo o mundo”.

            Esta é a Casa da cidadania do povo baiano, que irá exercê-la este ano, no pleito que se avizinha. Certo estava o poeta, quando bradava ser a cidadania “dever de um povo. Só é cidadão quem conquista seu lugar na perseverante luta do sonho de uma nação”. E tal só poderá ocorrer,  através do voto, instrumento indispensável na realização da democracia.

            Antes de falar, mais de espaço, sobre a democracia, seja-me dado a oportunidade de fazer algumas considerações sobre o desencanto que a política vem ocasionando em nossa gente sofrida. Notadamente, entre os nossos jovens eleitores. A nossa juventude e a população encontram-se desalentadas com os políticos. Tal fenômeno se reflete no alto grau de abstenção que vem ocorrendo nas últimas eleições. Esse quadro de desalento angustia-me profundamente.

            Principalmente, nesta quadra da vida, que é a juventude, sempre bela, exatamente, porque existe como ela é. Quando somos jovens, a impressão que temos é de que a vida nos pertence. A juventude parece ser o tempo de “cultivar todos os alvoroços, todos os risos e entusiasmos, cultivar todas as rosas do tempo”, diria Carlos Drummond de Andrade. Traçando-se um breve perfil, entre a minha geração e a dos moços atuais, há uma diferença substancial, no que se refere ao modo de encarar o passar do tempo. A geração, à qual pertenço, contemplava a vagareza dos minutos, o passar das horas e o passar do próprio tempo. Naquela época, “as crianças olhavam para o céu: não era proibido (...) havia jardins, havia manhãs”, como diria, de novo, o poeta Drummond de Andrade.

            Não tínhamos a sensação de haver chegado nunca, porque chegar era admitir um destino, um lugar onde se pretendesse parar, dando um sentido de permanência à vida.

            Enfim, o destino de minha geração era sempre o horizonte, uma vez que vivíamos, sem nenhuma pressa, saboreando a lentidão das horas. Tanto assim que nos espelhávamos, na poesia de Mário Quintana, quando falando de seus ideais de mocidade, dizia:

"a gente olhava, olhava, sem nenhuma pressa, porque o destino daquelas primeiras viagens era sempre o horizonte".

            A minha geração era cheia de certezas, ainda tínhamos a capacidade de sonhar e a utopia revolucionária não se havia exilado de nossos corações. Acreditávamos capazes de mudar o mundo, segundo a doutrina do marxismo, ou capazes de mudar a vida, conforme dizia o poeta francês Rimbaud. Éramos radicais e tal comportamento refletia-se, ora na literatura, ora na música (basta se ouça a canção de Vandré: pra não dizer que não falei das flores, ou o poema musicado dos irmãos Vale: viola enluarada). Numa palavra, tal comportamento refletia-se, principalmente, em nossas atividades políticas.

            Mas a geração atual é cheia de perplexidade e de incertezas, em relação ao próprio amanhã. Uma juventude que vem tendo seus sonhos anulados, que vem perdendo a própria capacidade de amar e de acreditar, no futuro, de tal forma que um dos seus poetas, Manfredini Junior, da banda Legião Urbana, melancolicamente, canta, em uma de suas canções: "É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque se você parar pra pensar na verdade não há".

            Diferentes de nós, os jovens de hoje não são radicais, no máximo, são inconformistas. Desejam mudanças, mas não chegam a ser revolucionários. São hedonistas, vivenciam o culto do prazer, com um perfil narcisista, em que o corpo e o sexo passaram a ser objeto de consumo. A malhação, a musculação são exaltadas como virtudes da sociedade consumerista, a que pertencem.

            Têm pressa, porque imaginam que o “tempo saiu de seus eixos”, conforme a exclamação de Hamlet, personagem saído da pena genial de Shakespeare.

            A sociedade atual é de velocidade rápida e vertiginosa. Vive-se o reinado do instante, do aqui e do agora. Diria François Ost que “este tempo não é mais o da duração, da expectativa, do projeto paciente e da longa memória. Radicalmente acelerado (...) entramos na era do efêmero eterno”.

            Mas não cabe ao jovens a culpa por essa “crise de motivação”, de que fala Habermas, crise de desilusão e desencantamento, nestes tempos pós-modernos. Na aspereza de um tempo que perdeu todo o seu referencial ético, todos somos vítimas, na acepção que dá a palavra Enrique Dussel, em sua Filosofia da libertação. E, na sociedade das vítimas, não há como se indagar quem é o culpado.

            Certo é que os projetos de minha geração restaram inacabados e incompletos, de modo que a construção de um novo paradigma, que representasse uma sociedade mais fraterna, mais justa e mais humana, na qual tanto acreditávamos, não nos foi possível realizá-lo. Daí porque, dilacerados, muitos de nós não são mais portadores de uma fé, já não possuem a coragem/fé de Moisés, ao atravessar o deserto, para chegar à Terra Prometida.

            Nossos sonhos, talvez, não sirvam aos jovens da atualidade. No entanto, podemos transferir-lhes as nossas inquietações, a nossa teimosia e a nossa recusa em admitir que o sonho haja acabado.

            Não podemos perder, jamais, a esperança e a crença na utopia do possível.

            Sabemos que vivemos a era do vazio, como disse o filósofo francês, Gilles Lipovetsky. O homem moderno está, cada vez mais, vazio, inclusive, vítima de um vazio espiritual, e, ao mesmo tempo, repleto de inquietudes e desassossegos. Sua paisagem interior é árida, um deserto de fecundidade (...) Esse é o niilismo de nossos dias (...) É o deserto pós-moderno, de que fala Enrique Rojas.

            Fala-se tanto, em nossa sociedade ocidental, nos progressos científicos, técnicos, médicos e sociais, esquecidos todos de que esse desenvolvimento técnico-econômico gerou, igualmente, subdesenvolvimentos morais, éticos e psicológicos, frutos de uma hipertrofia individualista, de uma cultura narcisista, a qual é geradora de um consumismo desvairado. Hoje, para ser alguém, para se ter visibilidade social, é preciso ostentar objetos de consumo, ter aquilo que pertence aos grupos privilegiados da sociedade. Quem tem é, quem tem existe. Quem não tem não existe, não é, não é gente, não é pessoa humana, enfim, não é cidadão. Valemos o que vale o nosso cartão de crédito, a nossa conta bancária, valemos o que valem os nossos objetos de ostentação. O despossuído de bens nada vale por si. Tanto assim que os “assaltantes” – e o exemplo é de Jurandir Freire Costa – não hesitam, não pensam duas vezes em tirar a vida de qualquer pessoa, para apropriarem-se do objeto de ostentação da vítima. A vítima só vale pelo que possuía. Quem morre mal sabe que só valia o que valiam seus objetos. Diria o autor que, na sociedade atual, “ o certo e o errado, o justo e o injusto, o permitido e o proibido perderam a razão de ser. É, de certa forma, um retorno à tese do triunfo do cinismo”. Enfim, a sociedade brasileira vem sendo regida por esta razão cínica.

            Olgária Matos, em Discretas Esperanças, também, retrata esse cenário, esvaziado de ética, “nas diversas épocas da cultura humana, em a qual a reflexão moral converge para o “governo de si”, significando “realização de si”.

            Por outro lado, fala-se tanto, na era da globalização, ou da planetarização, termo mais adequado, segundo Edgar Morin. É sabido, contudo, que a sociedade globalizada originou problemas sociais, econômicos e ecológicos gravíssimos, por conta da crueldade do modelo neoliberal, destruidor da vida e da esperança das humanidades periféricas. Globalização que, no dizer lapidar de Paulo Bonavides, “é o fascismo branco do século XXI: universaliza o egoísmo e expatria a solidariedade. Coloca numa encruzilhada os destinos da civilização: ou esta caminha armada para a luta, e não importa o holocausto que possa amanhã advir, ou baixa a cerviz e assiste, passiva, a uma capitulação sem honra, com o povo transformado em multidão, o cidadão em súdito, a nação em mercado...”

            Todos sabemos que, na cartilha ortodoxa do neo-liberalismo, o que conta não é o ser humano, porque este foi transformado, em mercadoria, já que esse modelo, tão perverso, exige que fiquemos, de joelhos, diante das leis invisíveis do mercado, tornado divino.

            Todos nós precisamos navegar para o descobrimento de um mundo novo, de um novo mundo, muito mais humano e mais solidário, neste terceiro milênio.

            Portanto, é chegada a hora de dizermos não à sociedade de hoje, tão feia, tão angustiada e tão cruel; dizermos não às elites mundiais dominantes, que de tão perversas e tolas, têm pavor da aurora, que se anuncia, no horizonte e que, por isso mesmo, adiam o encontro feliz do povo com a modernidade de uma sociedade mais justa e mais fraterna. É hora de dizermos não a uma sociedade, tão desigual, em que uma minoria vive, num banquete festivo, enquanto milhões e milhões, pelo mundo afora, passam fome. Diria José Américo de Almeida, em seu romance A Bagaceira: “há uma miséria maior do que morrer de fome no deserto: é não ter o que comer na Terra de Canaã”.

            Sim, porque não há maior obscenidade do que milhões de pessoas passarem fome, enquanto poucos morrem de indigestão, banqueteando-se.

            Não sabem os governantes que o mundo faminto, atualmente – já disse alguém - , é como se fosse uma bomba H, prestes a explodir, dentro do homem, a qualquer momento, pois que a espoleta da fome está prestes a disparar, lenta e devagar. Tanto assim que o poeta Eliot já disse que “o universo morrerá num sussurro”, é claro, se dele não soubermos cuidar. É hora de dizermos não à falta de teto para os que não têm onde morar e, por isso mesmo, moram, em favelas desumanas, e, nas grandes cidades, moram debaixo das pontes e viadutos; é hora de dizermos não a esse capitalismo selvagem que gera tão profundo appartheid social, em que uns poucos têm muito e muitos têm tão pouco e no qual, como diria o escritor uruguaio, Eduardo Galeano, "a pobreza é multiplicada, para que a riqueza possa se multiplicar". Até porque a pobreza dos pobres é resultado da riqueza dos ricos, uma vez que a pobreza não veio, no bojo de uma couve-flor, nem veio da vontade de Deus, que, como bom pai, não faria, nem fez, os pobres mais burros e preguiçosos, no dizer de Leonardo Boff.

            É evidente que, numa sociedade em que a ética política transformou-se numa palavra inútil e vazia de significados, de tal forma, que ela foi relegada ao museu da história, como uma velharia, nossa juventude, lamentavelmente, só pode encará-la como sendo “coisa para pecador”, segundo a expressão de Hermes Lima, ex ministro do Supremo, nascido, no antigo Curralinho, atualmente, Dom Basílio, município vizinho de Livramento de Nossa Senhora.

            Tal aridez ética desencadeia verdadeira crise de motivação, em todos os cidadãos, e, especialmente, no eleitor, na construção de um projeto de democracia real, - porque a ideal considero inatingível, principalmente, no sistema capitalista. Aliás, Hannah Arendt, inspirada em Bertold Brecht, em “Homens em tempos sombrios”, tece crítica severa à alienação do indivíduo, na vida moderna, no que se refere à participação política, bem como fala da sua retirada da esfera pública, advertindo-nos, também, contra a escuridão e o segredo na coisa pública. Diz a filósofa “se é função da esfera pública lançar luz sobre as questões dos homens, fornecendo um espaço de aparências no qual eles possam mostrar, em atos e palavras, para o melhor e para o pior, quem eles são e o que podem fazer, então a escuridão chegou. A esfera pública perdeu o poder de iluminação que originalmente fazia parte de sua natureza.” Entre nós brasileiros, ecoa o brado de Celso Campilongo, em seu livro Direito e democracia, ao afirmar que “outro pilar do conceito de Estado de Direito é o princípio da publicidade. Este princípio não pode ceder espaço “ao segredo, ao mistério, à invisibilidade do poder”. Diria eu que o segredo deve ser a alma dos negócios, na esfera privada, jamais, na gestão da coisa pública.

     Mais grave, ainda, é o atual esquecimento da política, fenômeno delineado, magistralmente, no livro homônimo, organizado por Adauto Novaes. Nele, Sergio Paulo Rouanet delineia, a mais não poder, tal esquecimento da política, nos dias atuais, textuando que:

            (…) Com a democratização de grande parte do mundo, há um novo recuo da esfera política, dessa vez motivado por uma crescente descrença na própria democracia. O primeiro recuo ocorre porque a política é vedada pelo Estado, o segundo, porque a sociedade passa a considerá-la irrelevante.

            No Brasil, essa sensação de irrelevância apresenta-se reforçada, por déficits internos de moralidade pública, que aceleram o processo de esvaziamento do político, ocasionado, dentre outros fatores, por índices, sem precedentes, de corrupção, em vários setores de nossa classe política, associada à percepção, por parte da opinião pública, da existência de uma impunidade generalizada. É certo, contudo, que há, felizmente, nestes “brasis” afora, políticos sérios, comprometidos com as causas e com as lutas populares, que professam ideais de bons repúblicos e em cujas vidas, ainda, há espaço para crescer a planta da utopia, como abrigo de uma sociedade futura, mais justa e mais fraterna. Feita tal ressalva, como imperativo categórico de justiça, eis o libelo candente contra a corrupção, extraído da pena cáustica de Edmundo Oliveira, em seu livro, Crimes de Corrupção. Para o autor, “o caramujo da corrupção busca carcomer, oculto, sútil, laborioso, a inteireza e a probidade do homem (…) O menor desfalecimento pode ser fatal. O mesmo ocorre na sociedade. A corrupção é o gorgulho que a corrói (…) os homens lutam contra a corrupção e, quando supõem que a cremaram, vêem-na ressurgir das próprias cinzas. Dentre os fatores sociais da corrupção, “o maior de todos é a impunidade, que apaga o receio e acende a ousadia (…) A censura à imprensa, coartada na sua liberdade de denunciar os escândalos, oferece aos corruptos um manto protetor. “(…) os escândalos políticos requerem o oxigênio da publicidade e (ou) a investigação”. (…) a corrupção refinou-se, aprimorou-se, aperfeiçoou-se, tornou-se mais sútil e mais solerte, mais astuta e mais sagaz, mais velhaca e mais finória (…) O corrupto renega a própria ordem moral, faz do proveito material a meta suprema e investe surrealisticamente contra todo preceito ético. (…) a corrupção é erva daninha que se alastra nos indivíduos e nas sociedades.”

            Senhoras e senhores, eu acrescentaria que é preciso estarmos, atentos e fortes, no enfrentamento da corrupção, porque ela representa a total obliteração do senso ético, representa a insensibilidade moral. E o pior é que ela sói esconder-se, atrás da máscara da retidão dos finórios burlões. Costuma vicejar, ao pé do trono do poder, sempre adubada pelo manto da impunidade. Não podemos tergiversar em encará-la, de frente, onde quer que ela se apresente, essa praga deletéria do tecido social.

            Como consequência, desencadeia-se um radical descrédito das instituições republicanas, fazendo com que a população busque soluções extrapolíticas.

Portanto, o poder judiciário e, em particular, o eleitoral, tem de se colocar, de atalaia, num verdadeiro vigilantismo faucoultiano, contra tais práticas, notadamente, durante o processo eleitoral, como garantidor mor da lisura e da probidade das eleições, sem que tal posicionamento venha a ser cognominado de judicialização da política, ou de acendrado ativismo judicial.

Nesse contextode deserto ético, em que tantos se transformam, em loucos morais da política, como autênticos perjuros de qualquer crença ideológica, é necessário repensar a postura do judiciário e do próprio juiz. Diante de tal quadro desolador, o papel que deve ser reservado ao “juiz da democracia participativa, não deverá ser, como no passado, ao alvorecer da legalidade representativa, o de juiz “boca da lei” de que falava Montesquieu. O juiz dos tempos modernos tem que ser o juiz “boca da Constituição”, como já disse Paulo Bonavides, assumindo a postura de juiz cidadão, diante dessa crise de valores da sociedade política atual.

            Ainda a propósito do esquecimento da política, nos dias que correm, Rouanet diz que a representação partidária, no Congresso, vem sendo substituída pela representação corporativista. Nosso parlamento, segundo ele, é composto, em grande parte, de lobbies, representando interesses setoriais, a exemplo da bancada ruralista, bancada das armas, bancada dos laboratórios farmacêuticos, bancada das faculdades particulares, cujos integrantes se encontram, em todos os partidos e estão, entre os principais atores do jogo parlamentar, independentemente das legendas oficiais.

            Por sem dúvida, tal descrédito da política, se perdurar por muito tempo, poderá levar a algo de muito grave, qual seja ao esquecimento da política republicana.

            Apesar desse sopro de desalento e de pessimismo que vem perpassando a nossa juventude, como dito, até aqui, senhoras e senhores,  temos que ser, essencialmente, otimistas. Precisamos crer que amanhã será outro dia. E outros amanhãs, menos sombrios, não tardarão para o planeta Terra e para o nosso querido Brasil. Precisamos repartir nossa esperança e cantar a clara certeza da vida nova que virá. Pessoalmente, tenho a impressão de que tudo isso vai passar, já que tudo isso faz parte de uma última geração e os jovens de hoje são a primeira geração de uma geração nova. E cada um deles, no futuro, será uma voz que cantará, por mais impenetrável que pareça a escuridão da hora que atravessamos. Apesar do inverno do desespero, a primavera da esperança amanhece. Haveremos de vencer a todos os desafios e, particularmente, no Brasil, já estamos vencendo muitos, ainda que timidamente. Venceremos e diremos, como o nosso poeta baiano, Caetano Veloso, "o Brasil vai dar certo, porque eu quero que ele dê certo".

            Ou, diremos, como Gilberto Freire: “eu ouço as vozes, eu sinto as cores, eu sinto os passos desse Brasil que vem aí”.

            Poderemos dizer, ainda, como disse o baiano Rui Barbosa, em seu discurso, o Sertão, no já longínquo ano de 1919, mas sempre atual: “o que sou, neste momento, é a voz ardente, a voz perpétua da esperança. Não gemo: canto o hino dos livres, entôo o canto da resistência, sou missionário do futuro”. Até porque não podemos perder a fé, no futuro. Ao contrário, temos de dar razão ao pensador católico, Teilhard de Chardin, quando afirmou: “o futuro é como as águas sobre as quais se aventurou o Apóstolo: carrega-nos na proporção da nossa fé”.

            Ou poderemos dizer, também, inspirados no poeta Thiago de Mello: "é sonhar, cavalgando o sonho e inventando o chão para o sonho florescer". E se, nos sonhos, começam as responsabilidades, aqueles que forem dedicar-se ao exercício da cidadania, através do voto, nas eleições porvindouras, terão uma missão muito importante, qual seja a da escolha responsável e consciente de candidatos, comprometidos com a ética e com a coisa pública. A res publica é a coisa do povo. Até porque, desde os anos mais antigos do passado, lá na Grécia antiga, a política era inseparável da ética. Basta se leia a Ética a Nicômaco, de Aristóteles

            Chega de desalento, basta de tanta desesperança. Urge que expulsemos de cada brasileiro a figura do velho do Restelo, descrita, em Os Lusíadas,  de Camões, encarnação daquela figura sinistra que agourava as naus lusitanas, quando iam zarpar da praia lisboeta do Restelo para conquistar novos horizontes. Portanto, eis, aqui, a convocação, para que todo cidadão eleitor participe do processo eleitoral vindouro, escolhendo os seus legítimos representantes. Caso contrário, “a nossa pátria mãe, tão distraída, ficará sem perceber que está sendo subtraída, em tenebrosas transações, segundo a canção “Vai passar”,  de Chico Buarque de Holanda.

            É inelutável que, somente, mediante a participação de todos, poderemos ser capazes de construir um país melhor, mais justo, mais transparente, em que os ideais republicanos saiam triunfantes. Não se trata de cultivar uma visão idílica,  ou de caminhar na direção de uma utopia salvacionista.

            Precisamos crer que a participação política, mediante o voto, livre e consciente, tenha força do pingo da água que desgasta a pedra dura da corrupção e da injustiça. Podem até me chamar de utópico e de demodé, enfim, de jurássico. Mas creio, firmemente, que é preciso não descrer da utopia e lutar para construir uma sociedade, mais justa e mais humana, em que as pessoas possam ter oportunidades mínimas de viver, na decência e na dignidade. “Muitas vezes as utopias nada mais são do que verdades prematuras, já dizia o escritor francês Lamartine. Do mesmo modo, outro francês, também escritor e poeta, Victor Hugo, descreveu a utopia como a verdade de ontem. Sem se olvidar o que disse Zaeland Paitigorski: “a realidade de hoje foi o sonho de ontem. O sonho de hoje será a realidade de amanhã. Em todas as épocas zombou-se dos sonhadores”. É certo que Saramago repudia a utopia como transformadora do mundo. Lembro-me bem de suas palavras, num dos fóruns mundiais, realizados, em Porto Alegre, salvo erro de memória, quando disse que “o que transforma o mundo é a necessidade e não a utopia”. Passemos ao largo do debate acadêmico. Utopistas, ou não, somos todos um pouco quixotes e um pouco sanchos panças, segundo disse alguém. E assim deve caminhar a humanidade.    

            Convocação cívica aos jovens, às mulheres, ao povo, em geral, para que compareçam às urnas. A participação, através do voto de cada um, é imprescindível na construção da manhã desejada da democracia. Tanto é verdade que não fosse o vozeio da multidão, o vozerio das ruas, como exigência de nossa sociedade, cansada de tantos políticos, verdadeiros operários da demagogia, autênticos apóstatas da ética, não teria sido aprovada a tão ansiada Lei da Ficha Limpa, a qual, em sua mudez eloquente, constitui verdadeiro garante, para que possamos banir do cenário político aqueles candidatos, de vida pretérita permeada de irregularidades, de ilicitudes e até mesmo de graves delitos.

    Não sejamos aquele analfabeto político, que todos conhecem, descrito pela pena elegante de  Bertold  Brecht, em seu poema.

             “O pior analfabeto é o analfabeto político.
            Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.
            Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão,
            do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio
            dependem das decisões políticas.
            O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância             política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os  bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio explorador do povo”.

            A apatia política, o desencanto pela democracia, o esquecimento da política são atitudes pessimistas de quem não deseja fazer a travessia para uma sociedade mais justa e mais fraterna. Miremo-nos, no exemplo de Sócrates, que, enquanto lhe era preparada a sicuta, estava aprendendo uma ária com uma flauta. “Para que lhe servirá? Perguntaram-lhe. Ao que o genial filósofo respondeu: “para aprender esta ária antes de morrer”. Aprendamos, pois, a ária da democracia, até porque estamos todos vivos e esperançosos. Não podemos continuar sofrendo as dores que já duram mais de cinco séculos, descritas por Thiago de Mello, em texto dedicado a Eduardo Galeano, quando diz, em seu texto, de uma vez por todas, que “Não precisamos de uma Babilônia para chorar a dor do cativeiro. O nosso povo conhece a pior forma de escravidão: ser cativo dentro da própria pátria. Cativo da impotência e da injustiça. Escravo do desprezo dos que mandam. Pátria grande de dores. De todas, a mais terrível, que não pára de crescer, é a das desigualdades (…) o povo não tem projeto algum. A não ser o da esperança: de um dia poder trabalhar, comer, amar, saber ler e escrever; enfim viver com a dignidade que todo ser humano merece.”

            E Thiago descreve, poeticamente, na Canção do amor armado, o real papel do voto, enquanto instrumento de participação, na democracia,  o qual não pode, jamais, deixar de ser um direito e um dever sagrado de todos, sob pena de o cidadão, desarmado dele, não poder lutar contra as injustiças sociais.

            “(...) Foi hoje e foi aqui, no chão da pátria.
            Onde o voto, secreto como o beijo / no começo do amor /
            e universal como o pássaro voando - sempre o voto /
            era um direito e era um dever sagrado,
            De repente deixou de ser sagrado /, de repente deixou de ser direito, /
            de repente deixou de ser o voto. /
            Deixou de ser completamente tudo.
            Deixou de ser encontro e ser caminho, /
            deixou de ser dever e de ser cívico, /
            deixou de ser arma – de ser a arma, /
            porque o voto deixou de ser do povo (...)”.

            Enfim, eu diria, inspirado, mais uma vez, em Thiago, que:

            “As colunas da injustiça /
            Sei que só vão desabar /
            quando o meu povo, sabendo que existe, souber achar /
            dentro da vida o caminho /
            que leva à libertação (…) Quando a verdade for flama /
            nos olhos da multidão, /
            o que em nós hoje é palavra /
            no povo vai ser ação.”
             
            Não podemos cultivar a desesperança no regime democrático. Democracia que, no dizer de Cornelius Castoriadis, é o poder do dêmos, ou seja, da coletividade. Poder auto-instituinte, porque diz o filósofo que a democracia é um regime que se auto-institui explícita e permanentemente.

            Por sua vez, Norberto Bobbio, em seu livro Teoria Geral da Política, fala da relevância do voto, na democracia atual, não necessariamente para decidir, mas, sim, para eleger quem deverá decidir. Para ele, dentre as múltiplas definições de democracia, é preferível “aquela que a apresenta  como o “poder em público”. Expressão sintética para indicar todos aqueles expedientes institucionais que obrigam os governantes a tomarem as suas decisões às claras, permitindo que os governados “vejam” como e onde as tomam. (…) Na passagem da democracia direta para a democracia representativa (democracia dos antigos para a democracia moderna), desaparece a praça, a ágora, mas não a exigência de “visibilidade” do poder (…) Não há nenhuma representação que se passe em segredo e a portas fechadas”; representar significa tornar visível (…) O poder tem uma irresistível tendência a esconder-se. Elias Canetti escreveu, de forma lapidar, que “o segredo está no núcleo mais interno do poder”. (…) A principal razão pela qual o poder tem necessidade de subtrair-se do olhar do público está, no desprezo ao povo, considerado incapaz de entender os supremos interesses do Estado (que seriam, no julgamento dos poderosos, os seus próprios interesses) e presa fácil dos demagogos. E Bobbio proclama que grande parte da história do pensamento político pode ser interpretada como uma contínua tentativa, por parte dos súditos, de arrancar os véus, ou as viseiras, de ampliar a área do poder visível em relação à área do poder invisível.” (…) O poder autocrático dificulta o conhecimento da sociedade; o poder democrático, ao contrário, por ser exercido pelo conjunto dos indivíduos, os quais têm, como principal vetor, o direito de participar, direta ou indiretamente, da tomada de decisões coletivas, exige visibilidade e transparência”.

            Apesar do pessimismo de alguns, quanto ao futuro da democracia, não podemos olvidar as palavras de Rousseau: “Se houvesse um povo de deuses, esse povo se governaria democraticamente.”

            Por seu turno, aos que faziam objeções ao sistema democrático de governo, o reformista do liberalismo inglês, Lord Russel, tempos idos, assim, se exprimiu: “Quando ouço falar que um povo não está bastantemente preparado para a democracia, pergunto se haverá algum homem bastantemente preparado para ser déspota.”

            Com a mesma ironia fina e percuciente de Russel, Churchill exclamava: “A democracia é a pior de todas as formas imagináveis de governo, com exceção de todas as demais que já se experimentaram.”

            Senhora e senhores, a longuidão da minha fala já ruma e caminha para o ocaso, para o final. Mais uma vez, peço perdão por não ter podido ser breve, cansando-os a mais não poder.

            Finalizando, gostaria de dizer a todos, fazendo minhas as palavras do Ministro  César Asfor Rocha, que “Nosso maior sonho é ter um Judiciário brasileiro que possa distribuir justiça não como iguaria de festa, mas como o pão de nosso cada dia”. Sem me esquecer, todavia, do que disse Bertold Brecht: “A justiça é o pão do povo. / Às vezes bastante, / Às vezes pouco / Às vezes de gosto bom / Às vezes de gosto ruim./  Quando o pão é pouco, há fome / Quando o pão é ruim, há descontentamento.”

            Inspirado, em tais palavras, conto com a indispensável colaboração dos juízes desta Corte Eleitoral, dos seus servidores, tão dignos e tão comprometidos com o supremo interesse público, espero contar, também,  com a colaboração da mídia, com os candidatos e políticos, em geral, espero contar com os representantes de todas as instituições republicanas e da sociedade  baiana, para que tenhamos eleições livres, limpas e dignas de um estado democrático de direito.   

            Tenho dito.