Ariano Suassuna – 24.07.2014

Choram João Grilo e Chicó,
choramos todos! Silêncio
no espetáculo das aulas!

João Pessoa (PB) - 16.06.1927
Recife (PE) – 23.07.2014

 

Márcia Oliveira
Professora

“Filho de um homem chamado João, de uma mulher chamada Rita, marido de uma mulher chamada Zélia, pai de Joaquim, Maria, Manoel, Izabel, Mariana e Ana Rita.” Assim, de maneira simples, o escritor, professor, dramaturgo, romancista, advogado e filósofo se definia.

Por motivos políticos, na Revolução de 30, o pai de Ariano Suassuna, João Suassuna, foi assassinado no Rio de Janeiro. A família muda-se para Taperoá, onde Suassuna tem o primeiro contato com a peça de mamulengos e assiste a um desfio de viola, cuja improvisação o impressionou e que, mais tarde, viria a ser uma das grandes marcas da sua arte teatral. O menino Ariano sente despertar em si o desejo de escrever e, aos doze anos, escreve seu primeiro conto.

“Posso dizer que, como escritor, eu sou, de certa forma, aquele mesmo menino que, perdendo o pai assassinado, no dia 9 de outubro de 1930, passou o resto da vida tentando protestar contra a sua morte através do que faço, do que escrevo”.

“No meu entender o ser humano tem duas saídas para enfrentar o trágico da existência: o sonho e o riso.”

Em 1942, Ariano vai estudar em Recife, onde conclui os estudos secundários e faz o curso de Direito. Com Hermínio Borba Filho, fundou o Teatro de Estudante de Pernambuco. Escreve seu primeiro poema: “Noturno” (1945).

Em 1947, escreveu sua primeira peça Uma mulher vestida de sol – a primeira tragédia produzida no Nordeste. Nela, o autor tentou recriar um romanceiro popular nordestino, baseado num romance do sertão, remodelando-o de forma a parecer mais dramático e poético. Ganha o Prêmio Nicolau

Carlos Magno.

Inicia o namoro com aquela que viria a modificar seu jeito de escrever. ”Só escrevia tragédias. O encontro com Zélia parece que desatou o nó que havia dentro de mim.” E foi assim que a alegria saltou para as páginas dos seus livros, como O Auto da Compadecida (1955), um dos textos mais populares do moderno teatro brasileiro, que alia elementos cômicos e intenção moralizadora, para trabalhar, de forma original e bem humorada, aspectos da literatura de cordel, linguagem oral e da tradição religiosa nordestinas, cujos personagens caricaturais como Chicó e João Grilo jamais sairão das nossas lembranças.

Para Suassuna, o momento de criação, de invenção sempre foi prazeroso, onde fazia do sertão um estado de espírito e, por isso, ele estava sempre presente em suas obras. Cenário onde personagens populares ganharam vida e se transformaram em clássicos da literatura.

"Já me disseram que eu quero colocar a cultura brasileira dentro de uma redoma de vidro pra que ela não se contamine, e isso é bobagem. Sou a favor da diversidade cultural brasileira. Só não admito é a influência de uma arte americana de segunda classe."

De formação calvinista e algum tempo depois agnóstico, converteu-se ao catolicismo, fato que veio marcar definitivamente sua obra.

"Eu digo sempre que das três virtudes teologais, sou fraco na fé e fraco na qualidade, só me resta a esperança."

“Converso muito com Deus, todos os dias. E entra muito assunto, muitos pedidos. Vergonhosamente acho que tem mais pedidos que agradecimentos. Quando acho que estou incomodando muito, recorro à medianeira de todas as graças, e pra todo lugar que eu vou, levo.” (Disse segurando a medalha de Nossa Senhora).

Em 1956, escreveu seu primeiro romance A história de amor de Fernando e Isaura. Outros famosos como: O santo e a porca, A farsa da boa preguiça, A pedra do Reino. Seu último romance O jumento sedutor, começou a ser escrito há 33 anos, foi concluído recentemente. Chegou a dizer que seriam sete volumes e o primeiro já estava pronto.

“Fiz um pacto com Deus: se Ele achasse que o romance tinha alguma coisa de sacrilégio ou de desrespeito, que interrompesse pela morte”. “Sempre fui meio preocupado porque escrevo três gêneros literários principais: poesia, teatro e romance. Sou conhecido como dramaturgo (acho que por causa do “Auto da Compadecida”, na televisão), menos como romancista e, como poeta, sou inteiramente desconhecido. Tem gente que nem sabe que eu escrevo poesia. Então, neste livro, estou procurando fundir teatro, romance e poesia. Agora, foi um livro trabalhoso, porque escrevo à mão e eu mesmo ilustro.”

Nos anos 70, criou o Movimento Armorial, que tinha como objetivo utilizar a cultura popular para formar uma arte erudita em todas as formas de expressões artísticas: dança, música, literatura, teatro, cinema e  arquitetura.

Foi sensível e teve capacidade imensa de entender, traduzir e amar os pernambucanos, nordestinos, os brasileiros, preservando suas raízes, sua linguagem, sua história.

Torcedor incondicional do Sport: ”O Sport, pra mim, é e sempre foi uma das coisas mais importantes na minha vida".

O grande escritor Ariano Suassuna recebeu muitos prêmios, como Prêmio Nacional de Ficção, do Instituto Nacional do Livro (1972), Prêmio Nacional de Ficção do Livro (1973) e pertenceu às Academia Brasileira de Letras (1990), Academia Pernambucana de Letras (1993) e Academia Paraibana de Letras (2000).

Suassuna foi fundador do Conselho Federal de Cultura e do Conselho Estadual de Cultura de Pernambuco (1967-1973), Secretário da Educação e Cultura de Recife (1994-98), Secretário da Cultura de Pernambuco (2007), assume cargo de secretário-chefe da Assessoria Especial do Governador Eduardo Campos (2010).

Em todos esses cargos, a proposta de trabalho de Ariano foi realizar espetáculos em Pernambuco. Foram 117 aulas em cem cidades do estado, de 2007 a 2014. No último dia 16, ele ministrou uma de suas aulas na sala principal do TCA, em Salvador (BA). Sua última aula-espetáculo foi, sexta-feira (18), em Garanhuns (PE).

“Sou um pouco ator, como todo professor deve ser.”

Grande mestre das letras, quanto há do saudoso educador Rubem Alves em você e vice-versa, que via tanto encanto e beleza na educação! Mas, infelizmente, Ariano, há muitos “professores” que chamam de palhaço o colega que faz das aulas um espetáculo, que as transforma em canto e poesia.

Eu que o diga! Mas, como escreveu o imortal Charles Chaplin: “Se tivesse acreditado na minha brincadeira de dizer verdades, teria ouvido verdades que teimo em dizer brincando, falei muitas vezes como um palhaço, mas jamais duvidei da sinceridade da plateia que sorria”, ou seja, muitos alunos.


Suassuna parecia imortal! Sempre dizia, no final das suas aulas:
Não pensem, não. Eu não vou morrer, eu me escondo da Caetana (é o nome dado à morte no sertão Nordestino). Ela não vai me encontrar”.
Em Garanhuns, sexta-feira passada, foi diferente, quando deu sua última aula-espetáculo. Ele disse:

 “Eu sei que vou morrer, mas meus personagens ficarão todos com vocês”.
Nos últimos meses, teve vários problemas de saúde, como dois infartos do miocárdio, depois, um aneurisma cerebral e, por último, o AVC, que o vitimou. Força, determinação e coragem estiveram com ele até seu último dia. Realmente, “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”, escreveu Euclides da Cunha, escritor muito admirado por Ariano.

A arte brasileira, principalmente a nordestina, perdeu um grande lutador pelo resgate e valorização de nossa cultura. Ele foi capaz de ser universal a partir do seu gigantesco espaço regional. Chora João Grilo, chora Chicó. Pernambuco está em lágrimas. O Brasil silencia neste momento.