Entrevistas – 16.10.20105 

Duas mestras do
Jardim de Infância

 

Por Márcia Oliveira

 Helena Lessa e Ana Timbó, nossas entrevistadas, foram pioneiras do chamado Jardim da Infância, há mais de 60 anos, em Livramento de Nossa Senhora, Bahia. E aproveito para parabenizar, junto com elas, pelo Dia do Professor, as minhas mestras da infância Nalvia Mendes e Josedite Meira.

Antes delas, só D. Cremilda Tanajura. De lá para cá, muitas mudanças. Umas boas, outras nem tanto. Naquela época, havia um doce sabor na arte de ensinar e de aprender. Sem a tecnologia de hoje, tudo era bem mais difícil.

Mas elas dão o testemunho de que era prazeroso a elaboração das tarefinhas, tudo feito à mão em papel, muitas vezes, amarelado. Ou então, fazia-se uso da decalcomania, que consistia em colocar gravuras na água e, depois, transferi-las para o papel.

O resultado era bonito! O material era adquirido na única papelaria da cidade, a Boa Nova, de Dona Néde. As cartilhas, na maioria, eram em preto e branco, porém, tinham o seu encanto, como a Cartilha do Povo e a inesquecível Paulo e Rosa!

Faziam-se leituras diárias, cópia de textos e “ditado”, para exercitar a escrita e aumentar o vocabulário. Ao final de cada unidade, havia Sessão para os Pais, com recitação de poesias, músicas e dramatizações. Tudo era reunido num pequeno caderno, ilustrado com flores ou bichinhos, desenhados pelas próprias professoras. Um encanto!

Batatinha quando nasce se esparrama pelo chão, mamãezinha quando dorme põe a mão no coração!”.

 Só depois de muito tempo aprendemos que, parte desses versos, recitados de cor e salteado nos Jardins da Infância, na verdade, é “espalha a rama pelo chão”.

“Criança feliz, feliz a cantar, alegre a embalar, seu sonho infantil/ Oh!, Meu bom Jesus, que a todos conduz, olhai as crianças do nosso Brasil”...

“Mãezinha do céu eu não sei rezar, só sei dizer: eu quero te amar/ azul é teu manto/ branco  é teu véu/ mãezinha eu quero te ver lá no céu...”

“Oh, que saudades que tenho da aurora da minha vida/ Da minha infância querida que os anos não trazem mais...!”

Hinos e poesias eram ensinados,  e catalogados num caderninho especial. Quanta diferença de hoje, apesar dos  recursos que existem!

Foi em clima de satisfação e muito carinho que D. Ana Timbó me recebeu em sua residência para um bate papo descontraído. Lá estava, também, D. Helena Lessa, sua irmã, que disse: “Só vou dar essa entrevista porque é pra você.”  

Deixo aqui registrado o carinho que tenho por essas duas grandes Mestras, pioneiras do Ensino Infantil, em nossa cidade. Mulheres guerreiras, que deixaram um grande exemplo de amor e dedicação à arte de ensinar.

 

Ana Lessa, professora por 45 anos 

 

Ana Lessa Timbó, 89 anos, é viúva de Afonso Timbó, com quem teve os filhos Lúcia, Zélia, Alvina, Lígia, Jorge, Antônio e Nélson (falecido). Foi professora do primário e também do magistério, este no CEJVB. Leia a entrevista:

O que significou ser educadora por 45 anos?

Sim, trabalhei por 45 anos, contando primário e secundário. Tem uma importância muito grande. Sem educação, um casal não pode ser feliz, um profissional não pode ser feliz. Ela é essencial em nossa vida.

Quais as dificuldades enfrentadas?

Eu achava difícil quando era adotado um livro e não o encontrava no comércio. Mas mandava buscar fora. Sempre gostei de estudar. Nunca fui para sala de aula sem saber o que ia ensinar. Os domingos eram para passar os livros, os assuntos que ia tratar na semana. Jamais dava uma aula sem antes ter preparado.

Pontos negativos e positivos da profissão?

Sempre encontrei mais pontos positivos que negativos. Positivos, quando ensinava e via que os alunos interessados aprendiam. Às vezes, pediam que eu repetisse o que não tinham entendido e eu os atendia. Negativos sempre havia. Um dia, um aluno disse: “Dona Ana, olha aquele aluno fugindo da sala”. E respondi: “Meu filho, quanto menos somos, melhor passamos”. Para mim, os que ficavam é que interessavam. (risos)

Como a senhora vê a Educação hoje?

Ainda como necessidade principal. Como pode uma professora recém-formada dizer: “eu não gosto de ser professor?”.  O meu neto Afonsinho, filho de Toninho, dizia para o pai que não gostava de estudar. Então, o pai disse para ele: “Não gosta de estudar, então vá ser o que você quiser”. Ele respondeu: “Meu pai, eu vou querer esporte”. Tempos depois ele volta e diz: “Eu vou querer é estudar mais, meu pai”.

A educação hoje é a mesma de antigamente?

Não, eu acho que hoje se eu fosse estudar eu gostaria muito mais, porque hoje em dia há mais condições, mais livros, mais novidades, tem aí a televisão que está ao nosso dispor e outros meios de comunicação. Fora de qualquer dúvida, hoje é melhor do que no meu tempo. Tem muito mais coisas que nos favorecem. Quando eu pego algum livro agora eu digo: “Ah meu tempo!”. Mas não jogaria os pés na educação de antigamente, jamais.

A senhora faria tudo novamente?

Tudo não, não é possível, mas alguma coisa eu faria. Na educação, por exemplo, procuraria ensinar as matérias que eu gosto: História e Geografia. A professora de História todo mundo achava chata, mas eu gostava dela. A de Geografia era D. Helena Lima, o deus da escola, todo mundo gostava dela.

Como a senhora definiria o Professor?

É o indivíduo dedicado à educação, é aquele que ensina porque tem bom gosto em transmitir o saber.

Qual a diferença entre o jovem de hoje e o de seu tempo?

O jovem de hoje tem mais condições de se desenvolver. Se ele gosta da educação, procura bons livros, segue os bons amigos, usa qualquer meio que lhe proporcione melhoria. Mas, se não gostar, paciência!

Mudando de assunto, antigamente era mais fácil namorar?

(risos) Hoje é bem melhor, sem dúvida. Os pais hoje não se metem, não brigam. Antigamente, era cada rapapá. Mas ninguém deixava de namorar. Fui de pouca comunicação, no sentido do namoro. Tinha um colega que dizia: “Eu tenho fé em Deus que D. Ana vai gostar de mim”. Era 11 anos mais velho que eu. Ah, eu ia querer nada. Ai conheci o Timbó, que  veio do Ceará. Nos conhecemos quando eu ensinava em Dom Basílio.

A senhora é uma mulher feliz?

Por que vou dizer que não sou? Meu pesar de não ser mais feliz é que eu perdi cedo alguém que a gente gostava, a família desmoronou (refere-se ao filho Nélson, morto ainda jovem).

Afonso, fazia qualquer trabalho de carpintaria e sempre me pedia opinião. Ia fazer uma mesa e perguntava: “Você quer que eu faço redonda ou quadrada?”. Eu respondia: “Afonso, você é que é o carpinteiro. Para tirar a dúvida você faz uma redonda e outra quadrada”. Foi sempre assim.

O que a senhora mais gosta de fazer?

De costurar, labutar com plantas, mas principalmente costurar. Quando fico sem nada para fazer, a turma fica rindo porque eu vou “fuxicar”. Gosto muito de ler e estou lendo agora o livro Felicidade na velhice, de Iris Mesquita Martins, muito interessante.

O significado da família para a senhora?

Tudo na vida! Acho que quem não tem uma família, não tem nada. Se uma pessoa diz que não gosta da família é uma errada na vida. Foi muito triste, por exemplo, quando perdi minhas irmãs, Lica e Terezinha. Estudamos juntas, até em Caetité.

E sobre os filhos?

Tudo, na minha vida. Um casal sem filhos nem pode ter amor. Eles alegram, dão muito prazer na família. Se eles estudam, dão mais alegria. Se não estudam, a gente aconselha até chegar a um ideal. Toninho mesmo não queria estudar. Afonso dizia: “Bota ali uma cadeira no sol e senta, para ver o que você vai fazer”. Naquele tempo, ele achou fácil sentar na cadeira e, dez minutos depois, dizia: “eu quero estudar”. E Afonso respondia: “Conheceu?”.

Mensagem aos professores, no dia deles:

O professor é muito dado quando sabe levar a turma com gosto. Se um aluno tem dificuldade num assunto, o professor deve sempre repetir a explicação. Se não se interessava pelas aulas, eu deixava sair, para dá sossego aos outros.

 

Dona Helena:
“havia diálogo entre pais e filhos”

 

 

A também professora Helena Meira Lessa e Silva, 83 anos, ensinou no Primário, hoje Fundamental I e dirigiu a então Escola Anexa do Colégio João Vilas Boas. De família tradicional de Livramento, irmã de D. Ana, é viúva do comerciante José Meira e Silva (Zezito) e mãe de Inês, Tadeu, Carlos, Paulo, Fernando, Artur, Marcos, Sérgio e Lúcia. Antes de iniciar a entrevista, ressalvou que talvez tivesse alguma dificuldade para se expressar, devido ao mal de Parkinson, mas falou com muita desenvoltura. Leia a entrevista:

Pode nos dar um testemunho sobre a escola do seu tempo?

Bem melhor que a de hoje. Era um tempo em que havia respeito, amizade e diálogo entre pais e filhos. A escola era diferente, acolhedora. Meus alunos tinham satisfação de estar lá, eu via o prazer deles em ir para escola. Na rua, me saudavam com alegria: “Ei professora!”. Existia um carinho especial. Muitos ex-alunos até hoje me consideram como professora. Fico feliz!

Como foi manter uma escola infantil, naquela época?

Costumo dizer que nasci para ser professora. Claro que enfrentei dificuldades, mas também tive muito apoio. Nossa família tinha certa repercussão. Eu era filha de Jaime Lessa e havia aquela contemplação com a gente, o que favoreceu muito.

O que foi positivo e negativo na profissão de professora?

Positivos, o carinho, a dedicação e o reconhecimento dos alunos. Considero negativo um episódio curioso com uma delegada da Educação, que implicava comigo, acho que era porque (sussurrando) eu sabia mais do que ela. Minhas irmãs Terezinha e Maria trabalhavam na Escola Parque de Salvador e me traziam muitas novidades. Depois, foram minhas filhas, que me passavam muitas orientações, inovações, que eu aplicava na escola. A delegada parecia não gostar.

Sente-se feliz? Se pudesse, faria tudo novamente?

Sou muito feliz e faria tudo de novo. É grande o prazer de ver aqueles meninos que eu alfabetizei hoje transformados em médicos, advogados, engenheiros. Quando se encontram comigo, me apresentam aos filhos, com orgulho e um carinho especial. Eu me sinto feliz. Os cartões, as lembranças, os convites para formatura, me deixam muito feliz.

Para a senhora, o que é ou o que foi ser professor?

Hoje, o professor é visto como um “João Ninguém”. É maltratado. Quando há uma reunião com professores, vejo muita grosseria, a gente não sente nenhum aconchego. Você não tem percebido isso, não?  Você sai de uma reunião decepcionada. Não há o respeito que existia antigamente.

Os jovens são diferentes hoje?

São mais exibidos e mais ousados. Os de antigamente respeitavam, tinham verdadeira idolatria pelos professores. Muito diferentes, nem se compara.

Por falar nisso, como era o namoro do seu tempo?

Hoje não é nem namoro (risos). Antes, era mais sincero, mais honesto, mais respeitador. Hoje, a moça encontra um rapaz, gosta, lá vêm os beijos, os escândalos e coisas mais.

Fale dos filhos!

São tudo na vida. Agora mesmo, Maria Inês e Lúcia estiveram aqui para me ver. Meus filhos fazem tudo por mim. Minha memória acabou, tenho dificuldades enorme de fazer os costumes caseiros, tudo mudou. Tenho dificuldades para comer, beber. Tá muito difícil. Hoje, a família faz tudo por mim.

Então, o que é uma família?

Um pedacinho do céu.

O 15 de outubro é Dia do Professor, o que  a senhora diria a ele?

Pediria que seja, de fato, um Professor, não se transforme só num “fessor”.

 

Jardim Encantado

 

Muitas crianças que passaram pelos floridos caminhos do Jardim Encantado de dona Helena, até hoje colhem singelas flores, brotadas das sementes outrora plantadas nos primeiros passos da educação. Sei também que, outras jamais se esquecerão do fantástico mundo que a Escolinha Sítio do Pica Pau Amarelo, deixou em suas primeiras lições. Nesta, o meu querido e saudoso sobrinho Matheus passou alguns dias por lá, mesmo sem ser matriculado, devido a sérios problemas no coração, mas Dona Helena, juntamente com a professora Ilone Guimarães, o acolhiam com carinho. Gratidão a elas!

 

JARDIM DA INFÂNCIA

 

Nós somos todos do Jardim da Infância,
Crianças lindas da cabeça aos pés.
Somos alegres, temos elegância,
Voltamos sempre só depois das dez. 
Nosso estandarte, é um buquê de flores,
Pois este bloco tem um ideal.
Quem vem na frente são os professores,
Anunciando o nosso Carnaval.

Nós já sabemos soletrar o beabá,
Um b com a, faz beabá.
Nós já sabemos fazer conta de somar,
De dividir e de multiplicar.
Agora só nos falta aprender,
A conjugar, o verbo amar.

 

(De Nássara e Cristóvão Alencar)