Orlando Silva – 03.10.2015

100 anos do Cantor
das Multidões

Rio de Janeiro – 03.10.1915
Rio de Janeiro – 07.08.1978

 

Márcia Oliveira

Eu era bem pequena quando meu pai me mostrava a beleza da voz de Orlando Silva, ao colocar na radiola discos desse cantor, que arrastava multidões. “Que voz maravilhosa!”, ele dizia. E realmente era.

A música tem o dom de marcar momentos de nossa vida. E as de Orlando, principalmente Lágrimas e Lábios que Beijei, trazem-me saudosas e intensas recordações de meus pais, dos dias de domingo, de tão mansa luz!

Orlando Garcia da Silva teve uma infância pobre e sofrida. O pai, José Celestino, funcionário de uma ferrovia, tocava violão muito bem, foi parceiro de serenatas do inesquecível Pixinguinha.

Integrou o conjunto Os Oito Batutas, mas morreu cedo, vitimado pela gripe espanhola, deixando três filhos órfãos, entre eles, Orlando, aos três anos de idade. A viúva, D. Balbina, voltou a casar-se e teve mais quatro filhos.

O menino Orlando começou a trabalhar cedo, como entregador de marmitas, sempre com os pés descalços, por não ter sapatos. Trabalhou numa cerâmica, depois numa fábrica de tecidos e também foi sapateiro.

Pouco frequentou a escola. Mas entre seus cadernos e livros, havia sempre um folheto de modinhas, que ele cantava na hora do recreio, principalmente as de Carlos Galhardo e Francisco Alves.

Apesar do sucesso, teve curta trajetória como cantor, pelo uso de morfina para aliviar dores que sentia, remanescentes da perda de um dos pés, com 16 anos, ao descer de um bonde em movimento, quando era office boy.

Começou a trabalhar como cobrador de ônibus, onde cantarolava e chamava a atenção pela bela voz. Ouviu o conselho do motorista Manuel Gomes da Conceição e resolveu realizar seu sonho.

No teste na Rádio Cajuti, sua voz ultrapassou a pequena sala da emissora e chegou aos ouvidos do boêmio e descobridor de talentos, Bororó, que o apresentou a Francisco Alves (O Rei da Voz).

E o famoso cantor da Velha Guarda aceitou ser o padrinho daquele garoto tímido, franzino, cujos olhos rasos expressavam certa tristeza, mas tinha na voz um timbre excepcional.

A pedido do ilustre padrinho, ali mesmo cantou Mimi, emocionando a todos os presentes. E bastaram apenas dois anos para o sucesso estrondoso do já Cantor das Multidões suplantar o do próprio padrinho.

Tornou-se o grande ídolo da massa, um dos maiores intérpretes do século XX, numa época que revolucionou o Brasil. Foi por atrair legiões de fãs que o locutor Oduvaldo Cozzi o cognominou de O Cantor das Multidões.

Sua voz, que parecia ter asas e um toque divino, era disputada por festejados compositores, como Noel Rosa, Custódio Mesquita, Mário Lago, Pixinguinha, Francisco Alves, Ari Barroso.

O vozeirão ficou marcado, para sempre, em mais de 1.500 canções, como “Carinhoso”, “Sertaneja”, “Nada Além”, “Atire a Primeira Pedra”, “Mágoas de Caboclo”, “A Jardineira, “Lábios que Beijei”, “Malandrinha”, “Risque” e “Errei, Erramos”.

Interpretava de forma brilhante a celebre Rosa, valsa composta por Pixinguinha e Otávio Souza. Mas com a morte da mãe, costumava dizer que “essa valsa eu não consigo mais cantar, eu a exclui do meu repertório, pois ela se foi com a minha mãe. Se eu começar a cantar, não conseguirei terminar”

Rosa foi para meu saudoso pai uma das mais belas canções, sobre a qual ele sempre dizia: “Poucos cantores conseguem cantar essa música com perfeição, porque ela é muito difícil, só Carlos Galhardo e Orlando Silva.”

Um dia, ele ouviu minha querida ex-aluna Licemary (Mamari), filha de Alice Otília e Antônio Lessa, cantando a referida canção e ficou encantado. “Ela canta lindo!”,  exclamou.

Orlando Silva conheceu Zezé Fonseca, maior atriz do radio do seu tempo, e com ela teve uma relação passional, que o desestabilizou, agravado por problemas de saúde, bebidas alcóolicas, drogas e a morfina, desta vez, pelas dores de uma grave doença nos dentes.

Começava o ostracismo e muitas dificuldades na vida do mito. Conhecido como a mais bela voz do Brasil e dono de um dos maiores públicos da história da música brasileira, teve entre seus fãs ninguém menos do que três presidentes da República.

Todos os três o estimavam muito: Getúlio Vargas, que gostava da música “A Jardineira”; Juscelino Kubistchek, que se deleitava com “Sertaneja” e João Goulart, que sempre o pedia para cantar “Numero Um”.

Casou-se com Maria de Lourdes (1947), que muito o ajudou a reerguer-se na vida, mas não tiveram filhos. Orlando Silva não foi só um grande cantor, mas também um criador de linguagens, protagonista de intensa dramaticidade, um divisor de águas.

Não teve educação musical, porém se tornou um dos maiores nomes da nossa música. Um romântico que trazia em si um lirismo velado, diante da inebriante voz e da alma, sem exageros.

Impressionou os cantores que tiveram o privilégio de cantar com ele, como João Gilberto, que disse “foi o maior cantor brasileiro de todos os tempos” e Paulinho da Viola, para quem “depois de Orlando, cantando com arranjos de Pixinguinha e Radamés Gnatalli, não preciso ouvir mais nada”.

Cantou com Roberto Carlos a inesquecível A Deusa da minha rua, num especial da Globo. O famoso compositor Adelino Moreira foi mais além: “Orlando Silva foi o único cantor brasileiro que, sem máquina para se promover, alcançou sucesso absoluto, graças ao seu talento. Nas cidades em que se apresentava, fazia-se feriado para escutá-lo.”

Orlando Silva faleceu, aos 62 anos, em 7 de agosto de 1978, vitima de um derrame. Uma multidão, cantando a música Carinhoso, acompanhou o féretro até o Cemitério São João Batista (RJ).

Assim, o menino nascido no Engenho de Dentro, subúrbio carioca, deixou gravado seu nome na MPB, além de servir de inspiração e guia para a chamada Bossa Nova.

Em mim, particularmente, suas canções ainda ecoam, vivas, fazendo fluir doces recordações de um tempo que era tão bom, que eu nem sequer imaginava se transformaria em tantas saudades!

Clique abaixo e recorde comigo:

1) https://www.youtube.com/watch?v=s3ACY3eBgkc

2) https://www.youtube.com/watch?v=FAMIVxIHnKk