Homenagem – 08.05.2016

Oi, mãe!

 

Márcia Oliveira

Professora

Ela nasceu sabendo que a saudade existia. Não conheceu o olhar afetivo e doce que só as mães podem oferecer a um filho. Não sentiu o cheiro que vem do colo materno, convidando para um ninar inesquecível! Nunca soube quão doce e terna é a voz daquela que lhe deu a vida, a chamar-lhe de filha.

Nunca sentiu a emoção de dizer frases como “mãe, me conta uma história”, “dói minha cabeça”, “tô com frio”,me ensina a rezar”. Ou fazer perguntas como “por que as aves voam?” e “as nuvens são feitas de algodão?”. E outras coisas, simples assim!

Dengo e cisma, choro e risos, palavras e silêncio, trocas sensíveis de olhares, comunhão de vidas que seguem. Ou melhor, que deveriam seguir, normalmente, como o curso das águas, o vai-e-vem das horas, dias, semanas, meses, anos!

Ela não soube o que era ter esse alguém especial e essencial, para ouvir suas inquietações, como no seu primeiro dia de aula; alisar seu uniforme no pesado ferro de brasa, que demorava tanto a aquecer nos dias de frio intenso!

Não sentiu a alegria única e a certeza desse alguém - imediato, afetuoso, intenso, zeloso – esperando-a na porta de casa. É triste a sensação de não ter ninguém a esperar por nós. Principalmente, se esse alguém é nossa mãe. E ela carregou essa verdade, essa realidade e esse vazio, pelos anos da vida!

Não teve a companhia justo daquela que não podia lhe faltar na vida, que tinha de estar ao seu lado, para lhe ensinar coisas que só as mães sabem. Elas têm um jeito meio sem jeito de explicar o óbvio, o que é tão previsível em nós! Coisas de mãe, que ela não conheceu!

Sei que chorava pelos cantos do casarão, na pequena e pacata Piatã. Sei que, naquele entra-e-sai de pessoas, em meio ao barulho e conversas, ela viveu seu silêncio. Conheceu a solidão, mesmo não estando só.

Tristeza, mágoas, dores, ela seguia sem a segurança emocional que só as mães podem dar. Sofreu na carne a falta da ternura desse regaço, que tanto a entristecia. Conheceu a beleza alva da sua mãe somente em uma fotografia. Era, deveras, mui bela, o que dela herdou.

Como a minha mãe era bonita!

Ela não soube o que era fazer uma malcriação. Eu acabei ensinando-a, tristemente, com as muitas que fiz a ela. Não conheceu a rebeldia, tão comum na adolescência. Também, sem saber, a ensinei com a minha!

Sem vez e nem voz, ouvia, calada, as investidas de tantos, no ambiente em que vivia, mesmo tendo o amor de seu jovem pai e da sua avó Amélia, a quem chamava de mãe. Não teve a quem recorrer no susto da menarca, dos medos; e nem quando o amor pelo meu pai irrompeu em seu coração!

Minha mãe viveu sua infância e adolescência por trás de uma vidraça, olhando para o infinito da saudade, tecida nos fios dolorosos do destino, por não ter por perto o amor incondicional da sua mãe!

Ela, sempre que recitava o poema Meus Oito Anos (Casimiro de Abreu), seus olhos enchiam-se de lágrimas e sua voz ficava embargada, na estrofe que diz: “Oh dias da minha infância/ Oh meu céu de primavera/ Que doce a vida não era/ Naquelas risonhas manhãs/ Em vez das mágoas de agora/ Eu tinha nessas delícias de minha mãe as carícias/ E beijos da minha irmã...!”.   

Tudo isso, porque minha mãe ficou órfã de mãe aos dois anos. Minha avó morreu no viço dos 22 anos, ao submeter-se a uma cirurgia de hérnia umbilical, no mesmo hospital (Espanhol/Salvador), onde, 72 anos depois, falecia minha mãe, de infecção hospitalar, após retirada da vesícula. Sina, de ambas as mães! Distantes na vida, mas tão próximas em seus destinos.

Minha mãe costumava dizer: Quem sabe o que é fome, não é quem escreve, fala, canta sobre ela, mas aquele que a sente. Ela foi, para mim, a pessoa que mais soube o que era ter mãe, justo por ter perdido a sua.

Assim, pode perceber a exata dimensão do valor, da grandeza e importância desse ser envolvente, nominado com apenas três letras, mas que agrega um universo de amor que se aproxima da divindade.

Com a emoção e a saudade que tudo isso me evoca, homenageio, hoje, todas as mães leitoras deste site!

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