E N T R E V I S T A

 

Zulmira Pereira de Miranda

(Nascida em 20.05.1920)

Quem completa 100 anos de vida, mesmo uma pessoa simples como D. Zulmira, tem muito para contar, principalmente ela que foi contemporânea de duas pandemias. Em homenagem ao seu centésimo aniversário de nascida, fizemos um bate-bola de perguntas com ela, gentilmente intermediado por sua neta Cleide Mesquita.
Confira esse pedacinho de nossa história.

 

Onde nasceu?

Nasci no povoado de Telha, aqui mesmo em Livramento.

Nome do pai e da mãe?

Minha mãe era Benedita Rocha de Mesquita. Meu pai, apesar de não ter sido registrada por ele, se chamava Jesuino Pereira Silva.

Nome do marido? Quantos teve? (risos)

Meu único marido foi Avelino da França e Silva.

Casou virgem? (risos)

Sim! Só tive um homem na vida, sempre fui muito acanhada.

Quando nasceram o primeiro e o último filhos?

Meu primeiro filho Edmilsom Miranda Silva, nasceu em 31.07.1943, e minha caçula se chama Evanilza Miranda Silva, nascida em 24.03.1965.

Nomes dos filhos?

Tive 14 filhos, hoje tem 11 vivos: Edmilson, Evanilson, Evilson, Edilson, Egilson, Ednilson, Emilsom, Belisário, Edielson, Crescência, Evanilza. Falecidas: Ozana, Manoela e Elita. Tenho 38 netos, 43 bisnetos e dois tetranetos.

Formação escolar?

Não alfabetizada. Desde muito cedo, tive que ajudar os pais na lavoura e nunca pisei o pé numa escola. Não estudei, mas aprendi muito na escola da vida, que ensina com dor.

Do que mais gostou e não gostou na vida, nesses 100 anos?

Da presença de Deus em todo momento, porque já passei por muita dificuldade, mas sempre tive fé. Acho que gostei de tudo, só tenho que agradecer a Deus.

Locais onde morou?

Nasci e me criei em povoado de Telha, daí me casei fui morar no povoado de Barreiro, perto do Jambreiro, e atualmente moro no bairro Estocada.

Profissões que exerceu?

Nunca trabalhei fora, sempre ajudei meus pais na lavoura e depois continuei com meu marido, e também cuidando da casa e dos filhos.

É bom viver tanto, por que?

Viver é maravilhoso e a gente tem que viver até o dia que Deus quiser, porque ele dá a vida e só ele pode tirar. Viver é bom porque tô junto de minha família e muito cuidada por todos eles.

Como era nossa cidade na sua juventude?

Pelo que me lembro, a cidade era bem pequena, não tinha quase casas, era uma aqui e outra acolá, tinha muito mato, as casas de adobão e com muitas calçadas feitas de cimento e eram altas. Via nas ruas muitos carros de boi, carroças, jumentos.

As festas eram muito divertidas, as mulheres vestiam roupas mais comportadas que hoje, eram saias na altura do joelho, com anáguas por baixo, as calçolas eram feitas de pano de saco. As festas não tinham som, eram sanfonas, violas, luz de candeeiro e lampião. Mas a gente dançava muito.

Os homens, muito garbosos, usavam paletó com flor na lapela, era a roupa da festa e da missa, nem que fosse só uma peça. Quando a mulher entrava no salão, não podia recusar a dança. As nossas camisas eram feitas de pano de madrasta. Era um tempo bom, sem muita violência, e a gente ria com todo mundo.

Para a senhora, o que é Deus e como é o Céu?

Deus para mim é tudo, é nosso pai de piedade. Acho que o Céu deve ser lindo, com muitas flores e estrelas.

O que acha do mundo de hoje?

Ah, minha filha! O mundo hoje é outro, tem muita violência, falta de respeito, filhos que não cuidam dos pais. E tem menos respeito com o que é e vem de Deus.

Tem ou já teve medo de alguma coisa?

Antigamente, eu tinha muito medo de lobisomem, porque ouvia muitas histórias, que quem  comia  juá virava um. Mas hoje em dia tenho medo de mais nada, só de sapo, um pouco, não gosto nem de ver.

O que diria aos jovens e idosos de hoje?

O conselho que dou é que vivam mais a vida, o hoje, porque amanhã a Deus pertence. Viva com alegria, até o dia que Deus quiser lhe recolher. Mas sempre com muita fé, apegando a Deus, para ajudar nas dificuldades da vida.

O que gostaria de ter feito e não fez e que fez e se arrepende?

Fiz muita coisa, minha filha, e ao mesmo tempo não fiz nada. Mas acho que aproveitei a vida do jeito que tinha que ser e que eu podia. Não me arrependo de nada que fiz. Acho que errei e acertei muito, mas isso todo mundo faz até hoje.

Ainda tem algum plano para esta vida?

Quero só agradecer a Deus, reunir a família e os amigos para celebrar uma missa dos meus 100 anos, que não podemos agora, e fazer uma festinha com muita farofa. De resto, só viver, até o dia que Deus quiser me levar.

Como está vendo a pandemia da Covid-19?

Essa doença é perigosa, mata muita gente, eu TENHO medo, e fico triste, porque tem que ficar no quarto, longe das pessoas. Quando eu nasci, também teve uma peste dessa. Lembro que minha mãe ia fazer uma farofa de carne seca pros vizinhos, no meu aniversário de um ano, mas nem pode, por conta que tinha que ficar no quarto isolada. A  gente não via ninguém, e ficava com uns panos na boca para proteger de espirrar. Era ruim mesmo. Morreu muita gente também, a gente escutava no radinho as notícias. Quero que acaba logo isso. Mas Deus sabe tudo que faz, se a gente tá merecendo, né?! Ele sabe!

 

 

 

Mensagem da neta – 20.05.2020

Melhor vó do mundo!

 

Cleide Mesquita
neta

Querida vovó! Fazer aniversário é sempre um bom motivo para agradecer a Deus, pelos anos que se passaram, pelas lutas vencidas, por ter chegado até aqui. E com a senhora não é diferente. Por isso, em nome de toda nossa família, queremos dizer hoje: OBRIGADA, SENHOR!

Obrigada por mantê-la de pé, quando as dificuldades da vida queriam roubar-lhe o ânimo! Obrigada por ajudá-la a vencer os medos e os dias sombrios! Obrigada porque 100 ANOS faz engrandecer a senhora, que ainda nos conta histórias de sua mocidade. Obrigada por ser guerreira e heroína de nossas vidas.

Quão BOM é celebrar contigo a dádiva da vida, poder olhar pra senhora e ver seus cabelos, não mais grisalhos, mas totalmente brancos, feito a neve, suas mãos trêmulas, rosto marcado pelas rugas do tempo, e os olhos pelas lutas da vida. Que bom ver teu passo lento, tuas falas contorcidas. Comprovar, então, que o tempo passou e com ele a senhora venceu muitos desafios, vivenciou momentos de tristeza e também de alegrias.

Saber que foram anos dourados, vividos com intensidade, de perdas e ganhos, erros e acertos, mas o que nos orgulha é saber que a fé em Deus sempre a acompanhou, e nunca te deixou desistir ou andar sozinha. Obrigada por tudo que nos ensinas até  hoje!

Continue sendo imensamente feliz, porque daqui pra frente tudo é novo, tudo é recomeço, cada dia é um sonho, o que passou, passou, é saudade. E o que virá, será realidade. A luta continua vovó, e roguemos a Deus para te dá ainda muitos outros anos de vida, pra continuar a escrever esta história.

Feliz aniversário! Feliz 100 anos! Feliz idade! Feliz tudo! Porque felizes mesmo somos nós, por termos o privilégio de te conhecer! Amooo ser sua neta! É a melhor vó do mundo! Receba o amor e o carinho de todos seus familiares e amigos.

P.S. - A missa em ação de graças e a festa de aniversário ficam adiadas para quando  a pandemia passar!