Entrevista: (*)

Dr. Antônio Carlos Caires Araújo

É um desafio mental e psicológico entrevistar o Dr. Antônio Carlos Caires Araújo, médico psiquiatra e psicanalista! Ele surpreende, sem nenhum vedetismo, ao demonstrar domínio, além da sua área profissional, também da escrita e da linguagem, ao manejar a construção literária. Isso pode ser visto, por exemplo, nos seus livros Lugar do Dito Inaudito e O Ser e a Letra. Diz a lenda que médicos não se preocupam muito com isso! Então, não quis me arriscar no desafio, fiquei de longe, preferindo enviar-lhe as perguntas escritas! Depois, fiquei sabendo que quem sofreu foi ele, na briga com o notebook, para digitar as respostas, que seguem abaixo:

 

Currículo, em breves linhas:

Escola primária em Curralinhos, então distrito, hoje Dom Basílio. Pertencia a Livramento de Nossa Senhora, Bahia. Convidado, fui ao Seminário Jesuíta, em Salvador, e iniciei o ginásio no Colégio Antônio Vieira. Depois, cursei a 3ª e 4ª series no Colégio João Villas-Boas, em Livramento. Volto para Salvador, onde estudo um ano no Clássico e dois no Cientifico. Entro no curso médico e concluo no tempo hábil, como médico clínico. Torno-me psiquiatra de hospitais e, por concurso, ingresso na UFBA [Universidade Federal da Bahia]. Em 1985, vou ao 1° estágio em Paris, na França, onde estudei psicanálise.

Retorno em 1986, passando a atender na UFBA, em cuja Escola de Psicologia fui                              professor. Fui também preceptor de psiquiatria no 6º ano do curso de Medicina. Junto com colegas, criamos a Clínica Freudiana–Lugar do saber da Psicanálise na Bahia, título dado por A Tarde. Participei e fui premiado em concursos literários pela Sociedade Brasileira de Médicos Escritores. Hoje, exerço plenamente a psicanálise, com cinco livros publicados, além de artigos em revistas nacionais e internacionais, bem como ensaios, crônicas e poesia, com várias premiações.

De Salvador para Rio de Contas:

A volta ao lugar de origem foi devido ao caos no Brasil, durante a pandemia da Covid-19. Fechamos consultórios e nos isolamos por horror ao contágio, com as restrições às atividades lúdicas. Devido a esse isolamento, cogitei voltar para um lugar mais arejado e menos populoso. E, por ser próximo a Dom Basílio, escolhi Rio de Contas. Mas o isolamento intelectual, no interior, faz-me rememorar minha divisão de sujeito entre Rio de Contas e Salvador, onde fiz lastros desse exercício, por quase toda minha existência, no convívio intelectual mais estreito com os colegas. Agora, estar aqui, neste bem arejado e sossegado bem-estar, é quase hedônico!

Livramento e Dom Basílio para você:

Seus significantes são as pessoas que lhes povoam e, na medida em que essas desaparecem, perde-se o liame anterior que se tem com o Lugar. Sinto muito mais as saudades dos tempos ali vividos, onde era um bom jogador de bola e o futebol é agregador de amizades. Porém, aqueles amigos já não estão mais por lá, além dos tempos agora serem outros, com mais celulares e pouco liame social. As motos nos atordoam e ensurdecem. Mal-estar na civilização destes lugares, que eram tão arejados.

Significado do novo livro – Angústia:

Significa ou ressignifica para mim um avanço sem precedentes no saber. A psicanálise ensina a circunstanciar, na origem, o surgimento do sujeito do inconsciente, a se estruturar como linguagem. O sujeito é enquanto falante, pela estrutura de linguagem, aquele do “penso, logo existo”. É o correspondente imediato da existência. Pois, em verdade, só existimos ou sabemos disso porque temos a função da fala, que porta o saber, por habitarmos o mundo da Linguagem. Lévi-Strauss nos mostra isso em sua “Antropologia Estrutural”. Vejam que procede de origem nas estruturas primitivas de parentesco. O sinal de angústia nos recém-nascidos é um dado da comunicação com o Outro, no caso a mãe ou quem a configure nesse lugar, onde está o código da mensagem. Existimos, porque falamos. O psíquico, o sonho, são a expressão de uma função da fala.

O livro é para leigos ou profissionais?

É para todo aquele que sabe ler e goza olhar no dançar caleidoscópico das letras de uma palavra à outra, com sonoridade que o ouvir concorre com o olhar e exercita melhor o prazer para aqueles que sabe um pouco de lógica, e se reconhece o ser na letra que lhe dá consistência ao dizer: “diz ser aos: legens entis”. É, pois, para psicanalista, psicólogo, psiquiatra ou leigos letrados, que saibam ler o que a letra em sua instância ao falar quer dizer! Precisa-se saber para que sua dialética, que é exigida, desvende a ignorância, para se pôr a verdade em seu lugar revelador das palavras, que se inscrevem no corpo em termos psíquicos.

Como é a vida do psiquiatra no sertão?

Já é sabida, pelos tranquilizantes que prescrevem ou atestam os alienados que desejam se “encostar” ou até se aposentar. Quanto à minha presença psicanalista passa, até aqui “in albis” ou é indiferente, pois não se sabe bem o que ele faz de melhor para a saúde dita mental do ser falante, pois se nem sabe o que falar, o que sempre acontece com quem não sabe o prazer de ler, no qual se erige nos calcanhares, esticar o colarinho e se pronunciar na proeminência do orador e, como se vê, isso é o que falta na depressão, que é a sua submissão que se envergonha por rebaixar o humor, por não deixar o seu afeto transcorrer na fala. O comprimido tranquilizante é um ato autoerótico, é “autístico” que, na surdina,  não o envergonhará tanto, o quanto imagina ter que falar da sua covardia moral.

Tem muito “doido” em nossa região?

Como já lhe disse, essa denominação “doido” não é dada na nomenclatura médica, psiquiatra ou outra que se abra da anamnese, propedêutica ou diagnóstico. O termo usual é doente mental. Na psicanálise, usa-se para o ser doente (ser-do-ente), e leva em conta o princípio ético do ser falante, enquanto se acha em sua falta-a-ser por um desejo de vir a ser. E é ser reconhecido no desejo do Outro. Aí, estamos no campo das neuroses, psicoses ou perversões. Correspondente à posição de cada um em relação ao seu desejo que se põe elidido, recalcado e/ou denegado.

Como não ficar “doido” nesse mundo?

Por usar esse termo, que não é designativo para se levar a sério, pois o mesmo se confunde com uma paixão por amor, por ódio e até mesmo quando nada quer saber, cai-se na paixão da ignorância e que se denomina do cinismo à canalhice, estes que a análise recusa tratar, pois não dão nenhum valor ao que se fala.

Quando consultar um médico psiquiatra?

Por tudo o quanto respondi-lhe, dá para depreender que a cura decorre do paciente que se ponha a falar, trabalhar para que o psicanalista possa dirigir, não sua consciência e sim a direção do seu tratamento, até o final. Pois é quando chegue a falar dele mesmo ao psicanalista. Pronto, realizou-se o tratamento efetivamente.

Tem como prevenir o ato de suicídio?

Prevenir o suicídio é propriamente supor que disso se encarrega não saber o que se trata que o ser falante passa ao ato, completamente exitoso de imediato, do qual não pode mais voltar atrás. O que se supõe é um ato bem sucedido que é o suicídio e como nenhum voltou para nos contar o que o levou ao ato assim realizado. Cuidar de pacientes histriônicos que faz da farsa um exercício para um fazer de conta, não é prevenção. Os místicos são mais sérios quando em seus ritos gozam com o corpo em experiências de se deixarem se arrebatar em tais rituais que os enobrecem em belas figurações. O suicida faz do seu ato bem mais real e não joga com o corpo e, sim, o apaga. Previne-se o quê?

Psiquiatra e psicólogo andam juntos?

Depois do advento do inconsciente freudiano, que se estrutura como uma linguagem, surgiram muitas terapias de cunho psicanalítico e outras, mas todas tomam do palavrório sem bem saberem para onde vão levar os seus pacientes, que precisam mesmo de paciência de Jó. A psicanálise pensa a cura dos pacientes postos como sujeito suposto saber o que estão ali para falar e de sua fala estende o fio que deve seguir para encontrar saída da angústia e faça do seu sintoma a decifração junto ao seu psicanalista.

(*) Exclusiva ao site Mandacaru da Serra, com fotos do lançamento do livro Angústia