Justiça – 08.04.2014 

 

E   N   T   R   E   V   I   S   T   A

Desembargador Lourival Trindade

 

A corrupção refina-se, fica mais
sutil, mais astuta e  mais velhaca

Disse  o advogado Lourival Almeida Trindade, originário da nossa região, atualmente na função de desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia e presidente do TRE-BA, em sua fala durante a sessão especial que o recepcionou e homenageou na corte regional da Justiça Eleitoral. Com a maestria de refinado tribuno e jurista aplicado, ele passeou pelas mentes dos seus pares e de convidados, num discurso considerado contundente. O desembargador concedeu uma entrevista exclusiva, abaixo publicada, ao jornalista Raimundo Marinho, de O Mandacaru, na qual repete uma das passagens mais marcantes da sua fala, ao se referir à corrupção, no Brasil, dizendo que esta “refinou-se, aprimorou-se, aperfeiçoou-se, tornou-se mais sútil e mais solerte, mais astuta e mais sagaz, mais velhaca e mais finória (…)”.

(clique no link ao final da entrevista para ler a integra do discurso)

 

O senhor assume esse posto em um ano de eleição. O que há de bom, o que precisa mudar e o que falta em nossa legislação eleitoral?

Prezado jornalista e advogado Raimundo Marinho, primeiramente, gostaria de agradecer-lhe, publicamente, pela sua honrosa presença, na solenidade de minha posse, no TRE, ocorrida no dia 28 passado. Admiro-o como jornalista culto e inteligente, que é, além da ética que tem demonstrado, ao longo de sua trajetória profissional. Voltando à pergunta, procurarei expressar-me, de forma clara e simples, para o público leitor. O lado bom é que a minha escolha para a presidência do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia representou a confiança demonstrada, em mim, através dos generosos corações dos colegas desembargadores e dos juízes, integrantes do referido Tribunal, em duas eleições consecutivas. A primeira, no Tribunal de Justiça da Bahia, em a qual concorri com mais duas colegas desembargadoras, da mais alta distinção e respeito, tendo obtido 24 votos do colegiado contra 6 das concorrentes. A segunda eleição, ocorrida no próprio TRE, na qual obtive, unanimemente, os votos dos juízes que o integram. Não me sinto envaidecido, mas comprometido com a confiança demonstrada.

Em se tratando do processo eleitoral, há muita coisa que precisa mudar, a partir do comportamento do eleitor e dos candidatos aos cargos públicos. No meu discurso da referida solenidade, fui incisivo quanto a esses dois aspectos, que reputo fundamentais na consolidação da democracia. Peço-lhe, caro jornalista, que publique, se possível, o discurso na íntegra. O TRE publicou, inclusive, divulgou-o em vídeo. Tenho recebido inúmeros pedidos de cópia, como também para que o publique. Irei divulgá-lo, não por vaidade intelectual, mas para que sirva de norte pedagógico, minimamente, que seja, aos políticos, aos jovens, aos eleitores e à sociedade em geral. No que se refere à nossa legislação eleitoral, é óbvio que a lei nem sempre consegue acompanhar, passo a passo, as mudanças da sociedade. Há sempre a cognominada “revolta dos fatos contra os códigos”. Apesar disso, nossa legislação eleitoral é uma das mais evoluídas do mundo. Mas é evidente que toda e qualquer legislação necessita de mudanças, para que possa acompanhar a evolução social. A legislação eleitoral não é diferente.

Pode-se dizer que a Justiça Eleitoral tem se empenhado para preservar a democracia e garantir o equilíbrio nas disputas eleitorais. Quais as dificuldades enfrentadas para isso e quais os planos da sua gestão?

A justiça eleitoral tem suas limitações e dificuldades. Apesar de poder ser considerada eficiente, não se encontra aparelhada o bastante, porque as disputas eleitorais transcorrem dentro de um contexto socioeconômico desigual, engendrado pelo sistema capitalista. Em decorrência do desequilíbrio que o abuso do poder econômico ocasiona, jamais atingiremos a democracia ideal. Praza aos céus que nos aproximemos da democracia real.

No que tange aos planos da minha gestão, fui bastante claro, em meu discurso de posse, ao referir-me ao enfrentamento da corrupção, porque ela representa a total obliteração do senso ético, representa a própria insensibilidade moral do ser humano. E o pior é que ela sói esconder-se atrás da máscara da retidão dos finórios burlões. Costuma vicejar, ao pé do trono do poder, sempre adubada pelo manto da impunidade. Não podemos tergiversar em encará-la, de frente, onde quer que ela se apresente, essa praga deletéria do tecido social. Como disse, em meu discurso, “a corrupção é o gorgulho que a corrói (…), os homens lutam contra a corrupção e, quando supõem que a cremaram, vêem-na ressurgir das próprias cinzas. Dentre os fatores sociais da corrupção, “o maior de todos é a impunidade, que apaga o receio e acende a ousadia (…). A censura à imprensa, coartada na sua liberdade de denunciar os escândalos, oferece aos corruptos um manto protetor. “(…) os escândalos políticos requerem o oxigênio da publicidade e (ou) a investigação”. (…) a corrupção refinou-se, aprimorou-se, aperfeiçoou-se, tornou-se mais sútil e mais solerte, mais astuta e mais sagaz, mais velhaca e mais finória (…). O corrupto renega a própria ordem moral, faz do proveito material a meta suprema e investe surrealisticamente contra todo preceito ético. (…) a corrupção é erva daninha que se alastra nos indivíduos e nas sociedades.” Além disso, tudo farei no sentido de dar eficácia e aplicabilidade à legislação eleitoral, principalmente à Lei da Ficha Limpa. De uma maneira geral, a legislação eleitoral é severa, tendo como meta reprimir as práticas eleitorais ilícitas.

Há quem ache natural e até “normal” o “caixa 2” na movimentação de recursos de campanha eleitoral. Qual seu verdadeiro impacto no resultado das urnas e como combatê-lo?

O “Caixa 2” é uma triste realidade, no Brasil, conspurcando a campanha eleitoral, instituído com o escopo de burlar o texto legal dos gastos eleitorais. O limite de gastos, previsto na legislação eleitoral, dificilmente será observado pelos partidos e pelos candidatos. Eles vão sempre utilizar do odioso e iníquo “caixa dois”. Lamentavelmente, a Justiça Eleitoral não está aparelhada o suficiente para coibir tão escandalosa prática, que  desserve à democracia. Como consequência, a utilização do “caixa dois” sempre desequilibra as eleições, além do que  os “doadores” do famigerado “caixa dois”, notadamente os empresários, com suas contribuições ilegais, por óbvio, cobrarão dos eleitos favores e vantagens. Mesmo porque quem financia uma campanha política não o faz, por idealismo democrático, por algum sentimento de altruísmo, nem mesmo movido por algum sentimento de amor ao candidato e ao programa político por este defendido. Enfim, o “doador” não é nenhum Papai Noel fora de época.  

A chamada Lei da Ficha Limpa cabe no Brasil, onde a corrupção praticamente se tornou uma instituição? O que falta para ela ser plenamente aplicada?

Caber cabe. Aliás, a Lei foi confeccionada, sob medida e não à moda da casa, a saber, como queria o Congresso Nacional. Sem dúvida alguma, a Lei da Ficha Limpa veio, em boa hora,  para a realidade política brasileira.  Trata-se de uma Lei originária da participação popular. Tanto é verdade que não fosse o vozeio da multidão, o vozerio das ruas, como exigência de nossa sociedade, cansada de tantos políticos, verdadeiros operários da demagogia, autênticos apóstatas da ética, não teria sido aprovada a tão ansiada Lei da Ficha Limpa, a qual, em sua mudez eloquente, constitui verdadeiro garante, para que possamos banir do cenário político aqueles candidatos de vida pretérita permeada de irregularidades, de ilicitudes e até mesmo de graves delitos. Foi o que disse, em meu discurso de posse, já referido. Para ser aplicada, é necessário que o Judiciário Eleitoral esteja atento e forte, procurando, como garantidor da lisura e decência do pleito eleitoral, aplicar, sem tergiversações, seus preceitos normativos.   

Porque, apesar do rigor da legislação e do empenho da Justiça Eleitoral, a compra de votos, em suas diversas formas, continua a definir eleições Brasil a fora? 

Infelizmente, essa barganha, indecorosa e despudorada, continua como prática  comum, conspurcando o resultado das eleições. Conheço, de perto, essa tão triste realidade. Apesar de tudo, a justiça eleitoral não pode quedar-se vencida. Além disso, é preciso que os órgãos de informação, os segmentos sociais mais esclarecidos, as instituições, enfim, todos, denunciem   as práticas envolvendo a compra de votos, para que a justiça eleitoral puna, exemplarmente, os responsáveis.

Na sua opinião, além da distribuição de “cestas básicas”, “sacos de cimento”, “colchões”, “tijolos”, “telhas” etc., muito comum em épocas de eleições, certos programas oficiais, como as bolsas de estudo da Assembleia Legislativa da Bahia e o próprio “Bolsa Família” do governo federal não seriam, também, formas ilícitas de fidelização de eleitores? 

Sem dúvida alguma. A pergunta tem perfeita pertinência. Ressalvo, apenas, o “Bolsa Família”, uma vez que, apesar de seu perfil assistencialista, foi considerado por um dos órgãos da ONU como um programa  distribuidor de renda. Não o considero um programa ideal para erradicar a pobreza e  os seus malefícios. É evidente que a pobreza para ser minimizada, num contexto capitalista, desigual e desumano, deve ser enfrentada, mediante uma série de outras medidas socioeconômicas, que não cabem, aqui, ser tratadas, nos limites desta entrevista.  Numa palavra, trata-se de um programa emergencial, em decorrência do grave momento histórico, em que foi criado, no qual milhões e milhões de brasileiro viviam abaixo da linha da pobreza. Alguma coisa deveria ser feita para minimizar esse quadro social, de fome e de miséria.

Como acabar com isso? Ou já é parte irremediável da nossa cultura?

Infelizmente, trata-se de uma cultura internalizada e arraigada, na sociedade brasileira, que demanda um longo processo histórico, através da educação de nosso eleitorado, quando, então, tais práticas poderão vir a ser banidas de nosso cenário político-eleitoral.

Mesmo a legislação limitando os gastos de campanha, a maioria dos candidatos são originários da classe econômica forte. Isso não seria antidemocrático, mantendo as classes menos favorecidas sempre dependentes e subjugadas pelos mais ricos?

Claro que sim. Costumo afirmar que temos e vivemos uma democracia, meramente formal, jamais, substancial, resultante do sistema capitalista, em o qual prevalece o poder econômico.   Portanto, os candidatos oriundos dos segmentos mais débeis de nossa sociedade não poderão, nunca, participar, competitivamente,  de nenhum pleito, em igualdade de condições com os candidatos mais abastados financeiramente. Digo sempre que a democracia, infelizmente, continua sendo a democracia do dinheiro.  E não é só, aqui, no Brasil, não. Nos Estados Unidos, chamo de democracia dos dólares. Nos países europeus,   chamo de democracia do euro. A propósito do tema, na França, costuma-se afirmar que “a democracia não tem preço, mas tem um custo.” Naquele país, as despesas de campanha aumentaram, sensivelmente, desde o início da V República. Nos Estados Unidos, certo político chegou a dizer, sem qualquer cerimônia, que “o dinheiro é o leite materno da política.”

Fala-se muito em financiamento público de campanha. De que maneira ele poderia resolver essas questões financeiras do processo eleitoral?

A chamada Lei das Eleições tem previsão de que “o financiamento das campanhas eleitorais com recursos públicos será disciplinado em lei específica”. Há vários projetos, engavetados, prevendo o financiamento, exclusivamente público, das campanhas eleitorais. Evidentemente que, se aprovado algum deles, em cada ano eleitoral a lei orçamentária deverá incluir, em rubrica específica, cotação destinada ao financiamento público de tais campanhas,  de acordo com o número de eleitores do país, etc..

Por óbvio, o tema envolve calorosas discussões. Há argumentos a favor e contrários ao financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais, no Brasil. Os favoráveis asseguram que tal financiamento limitaria a influência do poder econômico no resultado eleitoral. Sabidamente, quando as grandes empresas investem no financiamento das campanhas eleitorais, estão de olho na obtenção de vantagens financeiras junto ao futuro governante. É ilusório pensar que o empresário  possa ser comparado a um Papai Noel, ainda mais fora da época natalina, como eu disse em uma resposta anterior. Também, haveria um melhor controle, por parte da justiça eleitoral, de referência às doações ilegais, oriundas do famigerado “caixa dois”. De modo que os defensores do financiamento público costumam afirmar que toda vez que uma campanha de determinado candidato ostentar padrões de riqueza evidente fica fácil detectar-se o uso de recursos ilícitos.

Também, afirmam que haverá maior igualdade entre os concorrentes da pugna eleitoral, como consequência da limitação da influência do poder econômico. Fala-se, ainda,  na defesa do financiamento público, uma vez que o financiamento privado traz, em si, o estigma da corrupção, em números muito mais elevados. É que, no financiamento público, tais números são mais facilmente conhecidos, o que facilitaria o seu combate. De outro lado, há os que se posicionam contrários ao financiamento de campanhas com recursos unicamente públicos. Afirmam que, além dos recursos públicos, destinados a essa finalidade, devem ser somados os recursos provenientes de fontes ilícitas e ilegais, uma vez que – dizem – a justiça eleitoral não dispõe de meios  de apuração do uso de tais fontes.  Falam ainda que, diante da ausência de investimentos públicos, em áreas essenciais de  nosso país, como educação, saúde e segurança, não seria justo o desvio de vultosos recursos, por óbvio, pagos pelo nosso povo, para financiarem campanhas de candidatos. Há outros argumentos tais como a forma como esses recursos deveriam ser repartidos entre  os partidos políticos, razão pela qual não me prolongo mais na resposta à sua pergunta.           

A divisão do tempo de propaganda eleitoral no rádio e na TV não contribui para manter as minorias sufocadas e cada vez mais distantes do poder?
           
O poder da mídia é infinito. Daí porque o seu uso, notadamente o da televisão, tem sido objeto de preocupação dos órgãos eleitorais. No particular, o TSE tem sido severo, para que se evite o uso ilícito desse poder, bem como a própria legislação. Sempre digo que a televisão coloniza o imaginário da pessoa, ensinando-a a pensar, a sentir e a agir. A TV entra, em nossos lares, sem pedir licença, fala e não ouve, sem dar oportunidade ao contraditório. É um veículo altamente autoritário. A imagem televisiva vale mais que quaisquer palavras. Se eu disser pão, em japonês ou em alemão, muitas pessoas, que não conhecem tais idiomas, não irão entender-me. Mas basta a imagem do pão aparecer,  na telinha da TV, para que todos saibam do que se trata, seja um japonês, seja um alemão. Além de ser a TV uma verdadeira fábrica eletrônica de sonhos. É evidente que aquele partido político que dispuser de maior tempo, no rádio e na TV, terá maior oportunidade de persuadir e de convencer um número maior de eleitores. Ocorre, todavia, que a distribuição do tempo da propaganda, entre os partidos e as coligações, leva em consideração determinados critérios legais, de natureza objetiva, por exemplo, o chamado critério democrático da maior representação política, na Câmara dos Deputados. A Constituição Federal obriga a divisão do tempo de televisão, de forma que todos os partidos e coligações que tenham candidatos e representação na Câmara tenham o chamado acesso universal à mídia. É a busca da isonomia, em matéria de propaganda, permeando, inclusive, a legislação eleitoral. A propaganda eleitoral é de uso compartilhado. Procura a lei estabelecer um mínimo de igualdade, que é de um terço para todos os partidos. Mas há um outro critério: o da proporcionalidade. Por ele, o tempo da propaganda gratuita é distribuído – cerca de dois terços- , proporcionalmente ao número de representantes na Câmara Federal, considerando-se, no caso de coligação, o resultado da soma do número de representantes de todos os partidos que a integram. Tal critério desigualador sufoca, é óbvio, os partidos cognominados de “nanicos”. Contudo, tal distribuição do tempo constitui aquela noção de regra de justiça, segundo ensina o filósofo do direito Norberto Bobbio, que significa “tratar os iguais de modo igual e os desiguais de modo desigual.” Eis o xis da questão. 

Como o voto distrital, que se pensa em implantar, poderia contribuir para a democracia do processo eleitoral? Qual sua diferença para os hoje chamados “currais eleitorais”?
           
O desejo de implantar o voto distrital é antigo. Aliás, no Brasil Império, houve o sistema distrital puro, criado pelo Decreto-lei n. 842/1855, abolido em 1875. Também, durante a vigência da Constituição de 1967, a Emenda Constitucional 22 inseriu o sistema distrital misto, no qual os deputados federais e os estaduais deveriam ser eleitos pelo sistema majoritário e proporcional. Mas a Emenda Constitucional 25 revogou, porque a ditadura militar temia o crescimento das oposições. Era um modelo semelhante ao alemão, de voto distrital misto. Há adeptos desse sistema, mas, também, adversários, principalmente, do voto distrital misto. Neste, o país e os estados são divididos em regiões, sendo que metade dos parlamentares é escolhida por votação majoritária, a outra metade é escolhida pelo sistema proporcional de listas dos partidos. Os defensores do voto distrital misto asseguram que, através dele, os eleitores praticam uma forma mais elevada de democracia, porque cada eleitor votará, diretamente, no candidato com o qual se identifica, ficando este responsável pelos destinos do distrito pelo qual foi eleito. Dizem que o sistema proporcional é o grande responsável pelas mazelas da política atual, uma vez que o eleitor pode votar, num deputado decente e honesto, mas poderá estar contribuindo com o voto para a eleição de um patife, que pode beneficiar-se, indiretamente, do voto proporcional. Mas, também, há críticos do distrital misto, a exemplo do cientista político Nélson de Carvalho, que prefere o sistema distrital de média magnitude, como acontece, em países como a Grécia, Espanha e Portugal. Por este sistema, seriam eleitos de 5 a 8 deputados, em vez de um.
           
Diante das repetidas e mutantes resoluções do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o senhor acha que o processo eleitoral sofre alguma forma de judicialização?
      
Sempre haverá acendrada discussão, entre os operadores do direito, envolvendo o papel do Judiciário, no atual estágio da democracia. De um lado, os chamados substancialistas. Do outro, os procedimentalistas. Não me deterei, sobre o tema, porque envolve aportes hermenêuticos que o público leigo sentiria dificuldade natural de entendimento. Basta dizer que o Judiciário, durante muito tempo, foi mantido, numa espécie de “estufa”, como disse Alexandre Morais, distante das questões sociais, impedido pelo patrulhamento ideológico, de cunho totalitário. Agora, não. O Judiciário vê-se convocado, a todo momento, a dar implemento aos direitos fundamentais. Afinal de contas, nossa Constituição de 1988 é considerada uma “Constituição Dirigente”, portanto, suas normas programáticas, além de cogentes, devem ser aplicadas pelo Poder Judiciário. Então, a sociedade civil, cada vez mais organizada, como verdadeira consumidora exigente de tais promessas constitucionais, passou a exigir do Judiciário que cumpra o importante papel de intérprete e de aplicador dos preceitos e direitos, inseridos na Constituição. Caso contrário, eles não passarão de promessas vãs e platônicas, sem qualquer eficácia no mundo da vida. A Constituição passaria a ser um “pedaço de papel”, sem qualquer serventia. Em consequência, fala-se muito em “atual judicialização da política”, em gigantismo ou politização do Judiciário. Volta e meia o Judiciário é convocado a conceder liminares, na área de saúde, contra os poderosos planos de saúde, a determinar aos governantes que abram vagas em escolas e tantas outras medidas, de cunho social. Essa  nova postura do Poder Judiciário é chamada de ativismo ou de intervencionismo, na esfera dos outros dois poderes republicanos, o Executivo e o Legislativo. Mas tem que ser assim em países emergentes como o nosso. Por óbvio, o Tribunal Superior Eleitoral integra o Poder Judiciário. Vai daí que suas Resoluções são necessárias para dar eficácia e efetividade aos direitos e deveres da cidadania, durante o processo eleitoral, ainda que essa interferência possa ser chamada de “judicialização da política.”
            
Qual a importância e o papel do Ministério Público, em nossa atual realidade político-eleitoral?

Trata-se de papel imprescindível e insubstituível. A atuação do Ministério Público eleitoral honra a Instituição, em sua eterna vigilância do processo eleitoral.

O senhor considera que, hoje, o conceito constitucional de governo do povo e para o povo ainda vige, ou o poder passou a existir por si mesmo, beneficiando uma pequena minoria, em que a massa é apenas de manobra?

É um conceito utópico, infelizmente. Uma minoria privilegiada apropriou-se da política. O povo é mera massa de manobra de nossas elites dirigentes. Daí, o desencanto da política, principalmente por parte de nossa juventude. Falei de tal desencanto em meu discurso de posse.

Como brilhante advogado do sertão, o senhor ascendeu ao Tribunal de Justiça, pela cota constitucional da OAB. Agora, galga o posto máximo do Tribunal Regional Eleitoral e, quem sabe, chegará ao tribunal superior. Como isso mexe com sua emoção e seus sonhos de jurista?

Não mexe com minha emoção. Já ultrapassei a faixa etária, prevista pela Constituição, para chegar ao Superior Tribunal de Justiça. Continuo no sonho perseverante de continuar, em minha carreira acadêmica,  terminando o doutorado, que estou fazendo, em Buenos Aires. Depois, pretendo fazer pós-doutorado. Tenho escrito, ultimamente, artigos jurídicos para revistas e para edição de livros. Também, estou editando um novo livro.

Clique aqui para ler, na íntegra, o discurso do desembargador Lourival Trindade, presidente do TRE-BA, proferido dia 28 de março, em sessão especial da corte>