A audiência pública lotou as dependências da Câmara de Livramento
Povo não quer bebida
alcoólica nas praças
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Fim da polêmica. Foi unânime a reação contra a inexplicável decisão dos vereadores
Por unanimidade, as pessoas que se manifestaram na audiência pública da Câmara de Livramento de Nossa Senhora, dia 27 de novembro, repudiaram o projeto de lei pelo qual os vereadores querem mudar a Lei Orgânica e permitir a venda de bebidas alcoólicas em quiosques construídos pelo poder público em duas praças da cidade. Depois das críticas ao projeto, a Casa Legislativa, acatando proposta do vereador Ricardo Matias, optou por abrir o debate sobre o assunto, ao qual compareceram pessoas de todas as idades e classes sociais de Livramento, lotando as dependências da Câmara.
Lá estavam mães, pais, professores, estudantes, líderes sindicais, aposentados, trabalhadores, lideres religiosos, advogados, representantes dos conselhos de menores. Enfim, as pessoas responsáveis, representando a inteligência de Livramento, estavam lá. E só se manifestaram favoráveis os vereadores e um casal que vende bebidas no espaço público. Foi um momento histórico, um ato bonito, em que a palavra ficou livre e quem se manifestou o fez com equilíbrio, serenidade, responsabilidade e competência, num clima raramente visto na Casa Legislativa.
De parabéns, portanto, a Câmara Municipal, em especial seu presidente que, mais uma vez, demonstrou equilíbrio e maturidade, na condução dos trabalhos, contribuindo para o sucesso do evento. As pessoas que falaram foram firmes e seguras, deixando claros seus protestos e repúdio à tentativa de se alterar uma lei para finalidade tão nociva às famílias e à saúde pública. Destacamos, pela firmeza e objetividade, as falas do presidente da Asamil, da coordenadora do CAPS, do pastor evangélico, da secretária da Educação e dos representantes dos conselhos de menores e da segurança pública.
A vontade da população
Aumentou a responsabilidade dos vereadores. Foi sugerida a realização de um plebiscito, para ampliar a consulta. Não é mais necessário. A audiência pública bastou, pela representatividade e contundência do repúdio ao malfadado projeto. Só resta a eles, agora, votar ou não contra a vontade da população. Mas, pelo tom dos discursos, a maioria mostrou-se sensibilizada ante o que ouviu da população. Os únicos que fizeram questão de enfatizar que continuavam a favor da venda das bebidas alcoólicas nas praças foram os vereadores Paulo Lessa Pereira (PFL) e Zeferino Wagner Assis (PFL).
Ao contrário dos outros, que não mudaram abertamente de opinião, mas admitiram algumas ponderações, os dois edis citados foram peremptórios e inflexíveis em reafirmar que a lei deve ser mudada, ou seja, insistem nesse atentado ao direito e contra as famílias livramentenses, as quais, como as do resto do país, vivem atormentadas com o risco constante de seus filhos serem atraídos e tragados pelo mundo das drogas, para o qual o álcool é um rito de passagem.
Os vereadores levaram para o debate argumentos os mais esdrúxulos, esquecendo-se da legalidade, do correto ato de legislar, da proteção às famílias e da saúde pública. Ilídio Castro foi o mais hilário, ao dizer que o Sebrae patrocinou um curso de aprimoramento na produção de cachaça para exportação e que isso autoriza os vereadores a defender a venda de bebidas alcoólicas na praça. Diferentemente, Everaldo Gomes teve a coragem de denunciar a negligência da Polícia, que não coíbe o som irregular dos carros nas praças, pelo que se releva a troca que fez de “bebida alcoólica” por “bebida alcoólatra”.
Não quer ser autor sozinho
O vereador Ricardo Matias deu a maior prova de que o projeto de lei não presta. Como elaborou a proposta e a subscreveu primeiro, foi considerado o maior responsável. Ao invés de ficar feliz em ser autor da idéia, tida como brilhante e indispensável por todos vereadores, reage dizendo que estão querendo denegrir sua imagem e apressa-se em dizer que todos assinaram. Logo, se fosse bom, haveria orgulho em ser autor e não o temor de ter a imagem desgastada.
Outro argumento fajuto é que a proibição não resolve o problema do alcoolismo. Claro que ninguém é tão ingênuo de pensar que resolve. Mas a discussão é sobre a destinação daqueles bens públicos, por natureza de uso comum do povo e o legislador não pode alterar isso. O poder público é guardião da saúde pública, não pode promover a venda de bebida alcoólica em tais espaços. Ademais, o combate às drogas, incluindo o álcool, deve ser radical, até com interferência no domínio privado, se for o caso.
Na audiência pública, ganhou eloqüência especial o discurso do concessionário que vende bebida alcoólica em uma das praças, por conta de um contrato irregular mantido com a Prefeitura. Disse ele: “eu não bebo”. Se ele não bebe é porque não quer para sim o mal da bebida. Então, perguntamos: “e porque vende?”. E nessa discussão toda, o pecado maior fica com o poder público municipal, que assinou contrato irregular de concessão, ferindo a Lei Orgânica, mantém esses contratos e não fiscaliza.
O repúdio e o protesto da população surpreenderam os vereadores
Direito que rege
a Administração
Nossa participação na audiência pública consistiu em traçar um balizamento técnico-jurídico envolvendo o assunto, destacando aspectos do Direito Administrativo, que rege a administração pública, como a seguir explicitado:
O Direito Administrativo é comandado pelos princípios da supremacia do interesse público sobre o privado; e da indisponibilidade do interesse público. Ou seja, é vedado o atendimento de interesses ou conveniências do aparelho estatal ou dos agentes públicos. Sempre que houver conflitos, aplica-se os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade. Isso significa que devem ser ponderadas as vantagens e desvantagens da ação a ser empreendida, decidindo-se conforme o que prevalecer.
A exploração comercial dos quiosques em discussão na Câmara diz respeito à Administração e não ao Legislativo. A concessão ou permissão, que tornam possível essa exploração, é uma forma de prestação do serviço, pelo Estado, por delegação. Imagine, então, o Estado, que mantém programas de combate ao alcoolismo, vendendo bebida alcoólica! O teor dos contratos é assunto entre os contratantes (prefeitura e concessionários ou permissionários).
Determinado pela Lei
O conteúdo desses contratos é determinado pela lei e exige processo público de seleção. Se contrariarem a lei, cabe revisão, para serem adequados ou anulados. A Prefeitura pode fazer essa revisão unilateralmente, cabendo aos contratantes, sentindo-se prejudicados, recorrer à Justiça.
Se a Prefeitura não agir para promover aquela adequação, pode o Ministério Público fazê-lo, via ação civil pública, perante o Judiciário. Qualquer cidadão também pode, via ação popular. Em qualquer situação, o contratante com o poder público tem amplo direito de defesa. Se a Administração tiver interesse na questão, poderá se manifestar nas mesmas ações, para as quais será intimada.
Se, de outro modo, a Administração quiser mudar a Lei, por ser assunto de natureza administrativa, poderá apresentar projeto, nesse sentido, ao Legislativo, que, como fiscal das ações do Executivo e como representante dos interesses coletivos, votará a proposta, aprovando ou não. Nesse caso, deverão ser observados o interesse público e os princípios legais.
Os princípios legais
Tanto a Administração quanto o Legislativo se submetem aos seguintes princípios:
- Legalidade (só pode fazer o que a Lei autoriza)
- Imparcialidade (veta benefícios pessoais a administrados ou administradores)
- Moralidade (honestidade, boa-fé, probidade)
- Publicidade (transparência das ações públicas)
- Eficiência (rapidez, melhor qualidade e melhor resultado com menor custo)
Na questão que aqui se discute, não vemos qualquer interesse legislativo. Ao contrário, transparece uma ingerência aberta em questão administrativa e judicial, com utilização indevida de prerrogativas legislativas. O que, em verdade, de nada adiantará, pois o juiz, se assim se convencer, com base em lei expressa ou nos princípios constitucionais, poderá anular a mudança da lei, por ilegitimidade ou inconstitucionalidade.
O comportamento dos vereadores pode configurar advocacia administrativa, que nos corrijam os juristas, crime tipificado no Código Penal, que consiste em “Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo da qualidade de funcionário”. Se correto esse raciocínio, acrescente-se a agravante de uso da prerrogativa legislativa, para mudar lei em benefício de quatro pessoas, contratantes com o poder público. Como se juntaram para isso, é o caso de se indagar se não caberia ainda subsunção das condutas na descrição do art. 288, do mesmo Código.
Uso comum e especial
Na melhor das hipóteses, os vereadores podem estar incorrendo no desempenho inconstitucional da função legislativa, o que implica responsabilidade civil objetiva, que gera obrigação de indenizar. Alguns argumentam que a vedação ao comércio de bebidas alcoólicas nas duas praças implicará igual proibição em outros equipamentos públicos, como mercado, estádio e festas populares.
Isso seria até bom, mas não é verdade. As praças são bens públicos de uso comum do povo, diferente de um estádio, de um mercado ou de um restaurante que explora concessão, também citado por eles, que são bens de uso especial. O que determina a utilização do bem público é a sua classificação. Ou seja, se ele é de uso comum do povo, como as praças, ou se de uso especial, como os utilizados para os serviços da administração.
A Câmara não pode atribuir a um bem, como as praças, afetado para uso comum do povo, uma finalidade de bem afetado para uso especial, como é o caso do estádio de futebol. Nem mesmo mudando a lei, pois teria de observar preceitos constitucionais e as regras de desafetação.
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